Arquitetura não é Arte

Categoria: Teoria Imprimir Email

RICARDO CARRANZA

As rachaduras na obra de Mondrian são sintomáticas quanto ao binômio Técnica+Arte – sem perder de vista que na origem Arte é indissociável de Técnica; é o exemplo clássico de um grande artista e um pintor pouco preocupado com as técnicas de pintura.

A nosso ver, para Mondrian a concepção é tudo. Entretanto, conceber um Mondrian depois de Mondrian é um feito de pequena envergadura. Não raro o revemos nos painéis de programas de TV, cenários, vestidos etc. O resultado artístico não é mais que uma sombra do original. Reproduzir a pintura de um Mondrian, por sua vez, também não seria difícil; qualquer um, com um mínimo de conhecimento da técnica de pintura, provavelmente se sairia bem da tarefa.

Poderíamos corrigir, inclusive, a tendência do autor de trabalhar com camadas espessas de tinta – o que provoca rachaduras, adotando a técnica de veladura – sobreposição de camadas finas de tinta, recomendável à pintura à óleo. Não se cogita aqui de reformar as pinturas de Mondrian, senão que é possível pintar um Mondrian melhor que o Mondrian sem superá-lo na sua Arte.

Em Arquitetura, a situação é radicalmente oposta. A execução correta, o respeito à legislação, às normas técnicas são imprescindíveis. Uma obra de Arquitetura com rachaduras e infiltrações exigirá reparos, independente da autoria do projeto. O arquiteto Oscar Niemeyer, por exemplo, projetou o edifício da Gastroclínica, próximo ao Parque do Ibirapuera. E os dutos de AP, que foram embutidos nos pilares, geraram problemas de infiltração. À época os reparos foram feitos pelo Escritório de Engenharia Mandacaru Guerra, conforme depoimento a nós confiado pessoalmente.

A obra - O Grande Vidro, foi danificada durante o transporte. Marcel Duchamp, observando o resultado, disse – Vamos deixar assim. Gosto dela ainda mais.

Marcel Duchamp é um artista.

A eliminação de toda uma faixa de brises da fachada do Copan pode ser considerada uma atitude artística?

Então a pergunta: Arquitetura é Arte?

É muito comum a analogia entre Arquitetura e Artes Plásticas. Hegel, na sua monumental Estética, a situa no campo da Escultura e Pintur a. Na França existe a tradição da Arquitetura no campo das Belas Artes. A Enba deve sua origem à Missão Artística Francesa liderada por Grandjean de Montigny. Talvez venha daí a diluição dos limites da Arquitetura em relação às Artes Plásticas. Mas há um limite, a nosso ver, preciso e necessário, que nos permite traçar de forma objetiva a distinção entre Arquitetura e as Artes em geral. Não é preciso ser nenhum especialista para achar coerente a comparação da plástica do edifício construído com a escultura, e relacionar textura e cor de uma empena com a pintura. Tais aproximações são inevitáveis, o que não transforma o objetivo utilitário da obra arquitetônica. Arquitetura por ser útil não é Arte, embora possua certos  vínculos com a Arte. Considerar a fluidez da linha curva mais interessante que a reta, a energia do ângulo de 90º mais interessante que a curva, são decisões de projeto embasadas na subjetividade do arquiteto. O objeto arquitetônico é um híbrido, em parte moldado ou condicionado, incontornavelmente, pela técnica e tecnologia, além de sítio, legislação, recursos, etc. o que afasta a noção de angústia do artista diante da folha em branco; em parte concebido mediante parâmetros fundados na subjetividade, isto é, existe – a priori, um eu gosto ou eu prefiro, além de um eu sei além da gravidade de um eu devo - que orientam as decisões de projeto. Assim o princípio da subjetividade é a raiz das soluções plásticas e funcionais que determinam o caráter de uma obra arquitetônica. E isto perfaz, quando muito, 5% do tecido urbano. O restante, excetuando-se a cidade informal, fica a cargo da especulação imobiliária e dos interesses capciosos da administração pública. Mas Arquitetura não é Arte, e não é Ciência, embora dependa de conhecimento científico aplicado, necessariamente, e tenha afinidade com a expressão artística na razão direta das decisões subjetivas de projeto. Arquitetura é um híbrido que enfeixa várias áreas do conhecimento.

Vejamos duas definições de Arquitetura que devem lançar luzes ao nosso breve comentário sobre o tema.

“… hoje, como no passado, acredito que a arquitetura nada tem a ver com a invenção de formas inéditas, nem com preferências individuais: pois, para mim, a arquitetura é uma arte objetiva, regida pelo espírito da época da qual se originou.”  Mies van der Rohe

Arquitetura é classificada no âmbito das Ciências Sociais aplicadas, ao lado de Direito, Serviço Social e Planejamento Urbano e Regional, entre outras, segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CPNq)[1]. O arquiteto, que materializa uma visão de mundo interagindo “através de sua cultura”[2] com os artefatos que produz e com os quais procura entender a si e aos outros, depende de um meio sociocultural e tecnológico-econômico, conforme sugere Umberto Eco:

A arquitetura move-se numa sociedade de mercadorias, está sujeita a determinações de mercado, mais do que as outras atividades artísticas e tanto quanto os produtos da cultura de massa. O fato de que um pintor esteja sujeito ao jogo das galerias, ou de que um poeta tenha que fazer contas com editor, pode influenciar praticamente a sua obra, mas nada tem a ver com a definição de seu trabalho. De fato, o desenhista pode desenhar para si e para os amigos, e o poeta escrever sua obra num único exemplar para a amada, mas o arquiteto (a menos que formule no papel um modelo utópico) não pode ser arquiteto senão inserindo-se num circuito tecnológico e econômico e procurando assimilar-lhe as razões ainda quando quer contestá-las.” [3] Humberto Eco

Dessa forma, não nos parece demasiado recordar que em grego architectonik significa – arquitetônico, arte do arquiteto, vocábulo do qual derivam arquitetura como arte de edificar, arte no sentido de techné, portanto fazer, ofício, e não artifício, este fundamento da pintura, literatura romanesca, etc., e enfim arquiteto – o que comanda a construção, isto é, o mestre de obras.  

    Ricardo Carranza
    Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2000, foi diretor do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica Ltda, editor da revista 5% Arquitetura + Arte e escritor. Publicações: Antologias de Concursos Nacionais – SCORTECCI, SESC DF; revista de literatura – CULT; sites de Poesia e Literatura – Zunái, Stéphanos, Germina, Cult - Ofi-cina Literária, Mallarmargens, Cronópios, O arquivo de Renato Suttana, Triplov, Gueto, Ruído Manifesto, Pensador, Pixé, Acrobata. LIVROS: Poesia – publicados: Sexteto, Edição do Autor, SP, 2010; A Flor Empírica, Edição do autor, SP, 2011; Dramas, Editora G&C, SP, 2012, Centelha de Inverno, Editora G&C, SP, 2019, Sóis, Editora G&C, SP, 2021. Inéditos – Pastiche, 2017/2018; poesia... 2019. Contos – inéditos: A comédia dos erros, 2011/2018 – pré-selecionado no Prêmio Sesc de Literatura 2018; Anacronismos, 2015/2018; 7 Peças Cáusticas, 2018. Romance inédito: Craquelê, 2018/2019. Cadernos de Insônia (58): desde 2009. ARTIGOS publicados na revista 5% Arquitetura + Arte desde 2005; Pintor, site:carranzapoetrypaintings.art.br
      Edite Galote Carranza
      é mestre pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie em 2004; doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 2013 com a tese “Arquitetura Alternativa: 1956-1979”; foi diretora do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica Ltda, editora-chefe da revista eletrônica 5% arquitetura + arte ISSN 1808-1142. Publicações em revistas especializadas, livros Escalas de Representação em Arquitetura, Detalhes Construtivos de Arquitetura e O quartinho invisível: escovando a história da arquitetura paulista a contrapelo. foi Professora da graduação e pós-graduação em arquitetura e urbanismo.
      No Content Acessos: 4933