A alquimista: um ensaio metodológico
HEBER MACEL TENÓRIO VASCONCELOS
EVANDRO FIORIN
Resumo
Esta produção trata de um artigo teórico-metodológico do tipo ensaio. O texto se propõe a dar visibilidade à Cartografia como método de abordagem e ao Caminhar como procedimento metodológico. Como artificio para conduzir a discussão, os autores assumem uma personagem feminina chamada “Alquimista”. Através da revelação de suas anotações, são apresentados procedimentos, instrumentos e artefatos metodológicos. Organizados em oito eixos (tratamento dos dados, suporte de registro, relação com a sociedade, método de abordagem, relação com os sujeitos, critério espacial, abrangência e procedimentos de campo), esses elementos de discussão constituem os principais resultados da problematização tecida ao longo do texto.
O artigo contribui com o debate para balizar cientificamente estudos qualitativos voltados às cidades e que tenham inspiração na cartografia como metodologia possível. Dadas as contrapartidas epistemológicas e estéticas dessa abordagem metodológica, conclui-se que uma escrita dos/nos/com os espaços pode ser realizada de forma própria e singular, sem que haja, com isso, nenhum tipo de prejuízo cientifico.
Palavras-chave: Cartografia. Caminhar. Metodologia Científica.
Introdução
Como validar uma pesquisa qualitativa? Como investigar usando o método da cartografia? Como realizar uma cartografia frente ao estudo das dinâmicas socioespaciais? Como garantir o caráter científico de uma pesquisa? Como multiplicar a possibilidade de conhecimento? Como expandir o olhar? Como intervir? Como se expressar? Como mapear forças, sensações e atravessamentos de um bairro? Foram muitas as questões suscitadas para o desenvolvimento deste ensaio.
O presente artigo subsidia os estudos referentes à dissertação intitulada “Jaraguá: o Arquiteto, a Alquimista e o Monstro na cartografia de um bairro”. Tal dissertação trata de uma pesquisa desenvolvida a partir do bairro de Jaraguá em Maceió – AL. O objetivo principal consiste em investigar as dinâmicas socioespaciais presentes no bairro. Diante de tal pretensão, argumenta-se que o método da cartografia apresenta-se como o mais adequado. Pensado e executado sob lentes pós-criticas, este artigo constata a necessidade de explorar a multiplicidade de significados acerca do que pode ser entendido como “espaço” e como “dinâmicas socioespaciais”. Assim, a referida investigação adota, para o conceito de espaço, um sentido de heterotopia atribuído por Foucault (2006) e apropriado por Soja (1993), sentido de espaço como algo móvel, vivo, dialético, dinâmico, fluido, algo “como uma rede que religa pontos e que entrecruza sua trama” (FOUCAULT, 2009, p. 411).
O conceito de dinâmicas socioespaciais é aqui entendido como relações sociais constituídas e desenvolvidas entre sujeitos – usuários, visitantes, moradores e outros atores – e os espaços – residências, prédios comerciais, ruas, avenidas, praças etc. Inspirado em Menezes (2000), o presente ensaio entende que as dinâmicas socioespaciais ocorrem diante de implicações mútuas de influências que são exercidas entre sujeitos e espaços e vice-versa. Tais dinâmicas, em termos de influências e de implicações, vêm sendo criadas e estabelecidas no decorrer da história do bairro. O estudo das dinâmicas socioespaciais acerca de um bairro, portanto, pretende compreender as possíveis forças e efeitos que os sujeitos exercem sobre os espaços e que os espaços exercem sobre os sujeitos (MENEZES, 2000).
Como artificio para conduzir a discussão, os autores deste ensaio assumem uma personagem feminina chamada “Alquimista”. Por meio da revelação do seu livro secreto, a Alquimista, apresenta seus procedimentos, instrumentos, argumentos e artefatos metodológicos. O objetivo desse artifício foi apresentar a cartografia como método possível e como um meio de conhecimento, de intervenção e de exemplo singular das múltiplas possibilidades metodológicas voltadas aos estudos e às investigações sobre as dinâmicas socioespaciais de um bairro.
Após a presente introdução, este artigo está estruturado em oito tópicos, que consistem, respectivamente, em oito critérios metodológicos. Tais critérios são apresentados através das seguintes anotações: tratamento dos dados; suporte de registro; relação com a sociedade; método de abordagem; relação com os sujeitos; critério espacial; abrangência e procedimentos de campo. Nas considerações finais deste ensaio, são apresentadas algumas respostas às questões colocadas no início desta introdução. Outras diversas respostas podem ser encontradas a partir das entrelinhas invisíveis e das pistas que conduzirem ao conhecimento. Tudo dependerá do caminho que se escolher percorrer.
A Alquimista e sua metodologia
A Alquimista tem uma missão: transformar metais não preciosos em ouro, ou seja, realizar uma transmutação. Esta pesquisa parte da necessidade de construir ressignificações, pois entende que apenas dessa forma será capaz de ajudar a produzir outras formas de conhecer o espaço, dar outras visibilidades às relações de poder que constituem os espaços e os sujeitos a eles correlatos. Mas como a Alquimista será capaz de concretizar tal feito? Como ela conseguirá transmutar os significados atribuídos ao local? Como ela poderá ser capaz de enxergar esses significados? Quais serão os processos que podem envolver o fazer da alquimista? Quais são seus segredos? Quais serão os elementos, artefatos e procedimentos utilizados? De que fórmulas e formulações ela será capaz? Haverá fórmulas ou formulações?
A Alquimista crê que pode transmutar o mundo. Ela tem a mania de anotar tudo o que vê, pois pensa que sua memória não é suficiente para guardar todas as suas experiências e experimentos. Por isso, ela é sempre vista com seu livro de anotações misterioso, com folhas, pedaços de papel, canetas e vários lápis. Quem a observa tende sempre a se questionar: o que haveria dentro daquele livro? O que tanto ela escreve? De que tratariam aquelas anotações?
Até que, certo dia, buscando por mais organização, a Alquimista pede para que seu precioso livro seja digitalizado. Então, tudo o que escrevera foi revelado. A primeira página continha o desenho de uma tabela. Como um desenho místico (Figura 1), tratava-se da descrição de um ritual praticado por ela. Ele servia como pista para que se alcançasse o objetivo de certa transmutação.
A partir da digitalização do Livro Secreto da Alquimista concluiu-se que, para realizar a transmutação de metais não preciosos – ignorância – em ouro – conhecimento –, não existe uma fórmula exata, não há regras a serem seguidas, há apenas o viver e o acompanhar processos. O livro traz apenas pistas e possibilidades, como será possível observar a seguir.
O livro secreto da Alquimista
Anotação 01: O tratamento dos dados
Há muitos e muitos anos, venho pesquisando um meio de alcançar uma transmutação. Porém, não tive êxito. No máximo, consegui observar os metais de diferentes ângulos e com diferentes níveis de aprofundamento. Então, decidi fazer tudo diferente, pois analisar as suas características físicas, químicas e todos os outros infinitos números não foi capaz sequer de me aproximar do Ouro. Foi aí que percebi que os números apenas me trariam mais números e esses a mais números. Abandonei os números, o positivismo e a perspectiva de que não poderia “contaminar” a pesquisa. Perguntei-me como iria passar a tratar meus dados a partir desse momento. Busquei escritos nas mais diversas bibliotecas, até que encontrei um livro considerado “revolucionário”. Através dele descobri a possibilidade de realizar meu tratamento dos dados de forma qualitativa.
Com base no livro organizado por Tatiana Engel Gerhardt e Denise Tolfo Silveira, intitulado “Métodos de Pesquisa”, pude compreender que a abordagem qualitativa não se preocupa com a comprovação daquilo que está sendo analisado/investigado. Para esse tipo de abordagem o que realmente importa é qualidade do estudo, da análise e da pesquisa e não dos seus possíveis números, equações e resultados. De acordo com Goldenberg (apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009), quem assume a abordagem qualitativa se opõe e se recusa ao modelo positivista para a realização de estudos voltados à vida e às relações sociais, por não conseguir responder às necessidades distintas desse tipo de pesquisa, pressupondo o desenvolvimento de uma metodologia própria. Desse modo, ao assumir os métodos qualitativos, a pesquisa não busca comprovar algo, pois não convém quantificar valores e trocas simbólicas diante de dados não-numéricos derivados de suscitações e de interações. Também não convém comprovar algo, devido à possibilidade de os dados serem encontrados por meio de diferentes abordagens (GERHARDT e SILVEIRA, 2009).
Deslauriers (apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009) explica que, na abordagem qualitativa, o pesquisador não se coloca distante do objeto a ser estudado. Na prática, passa a ser sujeito e objeto da investigação. A pesquisa torna-se imprevisível, diante das múltiplas possibilidades que são encontradas ao longo do processo. O pesquisador assume que seu conhecimento sobre o objeto e os sujeitos são parciais e limitados. Dessa forma, o objetivo de uma pesquisa qualitativa é produzir informações aprofundadas e ilustrativas, importando apenas que seja capaz de gerar novos conhecimentos e informações (DESLAURIERS apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009). Preocupando-se, portanto, com a compreensão da dinâmica das relações sociais e com aspectos que não podem ser quantificados. Segundo Minayo (apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009), “[...] a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.
Anotação 02: O suporte de registro
Meu suporte de registro compreende aos dispositivos que utilizei para registrar o processo que me propus a acompanhar. Diante das minhas possibilidades, cheguei ao entendimento que a melhor forma de guardar essas informações, esses vestígios, essas pistas, esses momentos, essas paisagens, essas relações e esses movimentos seriam através de fotografias, gravações em áudio, gravações em vídeo e de um diário de campo.
A princípio, me peguei reflexiva por não possuir uma câmera profissional, nem um gravador de voz apropriado. Porém, cheguei à conclusão de que esse nível de exigência não iria comprometer a qualidade da minha pesquisa, pois as relações a serem desenvolvidas não se constituiriam em função de uma determinada câmera ou gravador e sim por meio do quanto eu conseguiria me abrir, atravessar e ser atravessada pelo processo. Então todas as fotografias e gravações audiovisuais foram realizadas através das lentes e microfones do meu celular.
O diário de campo, que segundo Falkembach (apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009), consiste em um meio de registro, que pode ser um caderno ou folhas com espaço suficiente para a anotação de comentários, frases, pensamentos, desenhos e/ou reflexões, para uso da pesquisa. Nesse caderno ou folha de papel são anotadas todas as observações/percepções, concretas ou não, dos fenômenos sociais, acontecimentos, relações, experiências pessoais percebidos/vivenciados pelxs pesquisadxr. O diário de campo proporciona a criação do hábito de escrever e de observar com atenção o que foi vivido e acompanhado. Para Falkembach (apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009), o diário de campo também representa o detalhamento descritivo e pessoal sobre os interlocutores, grupos e ambientes estudados. Devido a suas características, ele pode ser considerado uma ferramenta/instrumento de interpretação, entendendo que, já no momento do desenvolvimento do diário de campo, é possível realizar anotações interpretativas e analíticas (POLIT e HUNGLER apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009).
Com base nas possibilidades proporcionadas pelo suporte de registro através de diários de campo, senti-me mais segura e livre para registrar meus pensamentos, minhas percepções, meu dia-a-dia no campo e tudo o que vi e que vivi. Senti-me confiante, pois entendi que tudo o que eu vivi e intervi, de alguma maneira, serviria para alcançar uma certa transmutação e o ouro.
Anotação 03: A relação com a sociedade
Esta anotação refere-se a como o Ouro retornaria à sociedade. Tendo em vista que poderia considerar a pesquisa como pura – que gera apenas conhecimento teórico – ou aplicada – que, além de conhecimento teórico, gera conhecimento de ordem prática –, optei pela pesquisa do tipo aplicada, por ser ela mais abrangente e por conseguir representar, de fato, o tipo de conhecimento que foi desenvolvido.
Anotação 04: O método de abordagem
A Cartografia
Como havia constatado, o positivismo científico e sua forma canônica de escrita, não seriam capazes de me aproximar do Ouro. Com vistas à transformação e à possibilidade de pesquisar de maneira diferente, encontrei no método da cartografia tudo o que eu buscava: possibilidades, aberturas, singularidades, pluralidades, caminhos, rizomas, atravessamentos, movimentos, representação, linguagem, expressão e muito mais. Como mostrarei a seguir, a cartografia amplia infinitamente as possibilidades e os rumos do pesquisar.
As anotações que farei a partir desse momento, foram depreendidas do livro “Pistas do Método da Cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade”, organizado por Eduardo Passos, Virgínia Kastrup e Liliana da Escóssia e do precioso escrito de Suely Rolnik “Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo”. Esses lampejos e recortes serviram como pistas para o desenvolvimento da minha pesquisa, mas friso que não foram seguidos como regras ou como equações metodológicas. Após ter mergulhado nas leituras, encontrei diversas pistas para a realização de estudos como ao que me propus. No entanto, selecionei três pistas para me guiar no desenvolvimento da minha cartografia. As pistas seguidas foram: a cartografia como pesquisa/análise-intervenção, a cartografia como método de acompanhar processos e a cartografia como política de uma narratividade.
Começarei pela primeira pista com base em Passos e Barros (2009a), que a cartografia pode ser adotada como método de pesquisa/análise-intervenção. Todavia, apesar do método cartográfico não ser constituído por regras predefinidas a serem seguidas ou por objetivos pré-estabelecidos, esses fatos não são suficientes para entendê-lo como uma ação sem direção ou sem rumo. Mesmo que a cartografia modifique o sentido tradicional de método, ela não é realizada sem orientação, sem as pistas necessárias para a realização do percurso e da pesquisa. A compreensão da cartografia como pesquisa/análise-intervenção fica mais clara quando percebemos que é impossível separarmos o conhecer do fazer, o pesquisar do intervir. Nesse sentido, Passos e Barros (2009a) apontam que devemos não apenas nos aproximarmos dos objetos que investigamos, mas nos tornarmos parte deles. Afirmam a importância de não realizarmos análises e conclusões sobre nossos objetos, nos cabendo, como cartógrafos, apenas acompanharmos seus processos e efeitos, como corrobora a citação abaixo:
“[...]toda pesquisa é intervenção. Mas, se assim afirmamos, precisamos ainda dar outro passo, pois a intervenção sempre se realiza por um mergulho na experiência que agencia sujeito e objeto, teoria e prática, num mesmo plano de produção ou de coemergência – o que podemos designar como plano da experiência. A cartografia como método de pesquisa é o traçado desse plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a produção do conhecimento) do próprio percurso da investigação” (PASSOS e BARROS, 2009a, p.17, grifos nossos).
Passos e Barros (2009a) consideram que objeto, sujeito e conhecimento são efeitos coemergentes do processo de pesquisar. Desse modo, entendem que a pesquisa cartográfica não pode se apoiar no que já se sabe, mas, sim, em um saber que vem e surge do fazer, que propõe transformar para conhecer e nega o conhecer para transformar. Por isso, a importância da experiência como intervenção (PASSOS e BARROS, 2009a). Esses mesmos autores afirmam que René Lourau e Felix Guattari, ambos postuladores da cartografia, compartilhavam o posicionamento da intervenção/ação como método.
Lourau afirmava que o campo de análise se diferencia, porém não se separa do campo da intervenção. Para tanto, o sistema de referencial teórico torna-se operatório em pesquisas/análise-intervenção, sendo sempre necessário ser encarnado em situações sociais concretas (PASSOS e BARROS, 2009a). Logo, é possível entender que a análise não pode ser realizada distante da experiência, uma vez que tudo e todos estão relacionados nessa perspectiva.
“É essa constatação que força o institucionalismo a colocar em questão os ideais de objetividade, neutralidade, imparcialidade do conhecimento. Todo conhecimento se produz em um campo de implicações cruzadas, estando necessariamente determinado neste jogo de forças: valores, interesses, expectativas, compromissos, desejos, crenças, etc” (PASSOS e BARROS, 2009a, p.19, grifos nossos).
A pesquisa/análise-intervenção busca dar luz aos processos, ao que ocorre, ao que se constituem nas relações sociais e a tudo que possui potência (PASSOS E BARROS, 2009a). Tal tipo de pesquisa desconstrói a noção de campo, uma vez que modifica seus limites e suas configurações (PASSOS e BARROS, 2009a). Lourau (apud PASSOS e BARROS, 2009a) define “campo de intervenção” conforme sua metaestabilidade, ou seja, de acordo com as oposições que nele se apresentam sujeito e objeto, local e global, indivíduo e grupo. Estas oposições Lourau (apud PASSOS e BARROS, 2009a) denominou de dinâmicas transductivas ou dinâmicas de devir, que segundo o autor “potencializam resistências atuais e atualizam existências potenciais” (LOURAU apud PASSOS e BARROS, 2009a). Com o desenvolvimento desse conceito, Lourau transforma e reajusta o pensamento sobre como realizar análises sobre conceitos já instituídos. Passos e Barros (2009a) constatam que é a partir desse momento que o conceito de “implicação” passa a ser revisto, diante do conceito de “transducção”, o que acabou por radicalizar a crítica à neutralidade e ao objetivismo científico.
“Não há neutralidade do conhecimento, pois toda pesquisa intervém sobre a realidade mais do que apenas a representa ou constata em um discurso cioso das evidências. No processo de produção de conhecimento, há que se colocar em análise os atravessamentos que compõem um “campo” de pesquisa. Estas forças que se atravessam foram inicialmente designadas pelo institucionalismo de transferência e contratransferência institucionais, sendo em seguida pensadas como implicações” (PASSOS e BARROS, 2009a, p. 21, grifos nossos).
Ao adotar a cartografia como uma pesquisa/análise-intervenção, saliento que x observadxr estará sempre ligadx ao campo de observação, e que a intervenção sempre modificará não apenas o objeto investigado. Isso me permitiu compreender que a intervenção não acontece em um único sentido. Na realidade, é a partir do entendimento que todos são implicados, afetados e atravessados pela intervenção – observador, objetos, sujeitos, etc. – que passei a enxergar mais claramente o conceito de dinâmica transductiva.
“É essa ampliação dos sentidos da intervenção que vai aumentando quando se considera agora uma dinâmica transductiva a partir da qual as existências se atualizam, as instituições se organizam e as formas de resistência se impõem contra os regimes de assujeitamento e as paralisias sintomáticas” (PASSOS e BARROS, 2009a, p.21, grifos nossos).
Chegar ao Ouro, ou seja, ao conhecimento, implica em criar uma nova realidade do observador, do objeto e do mundo. Essa ação também se constitui como um ato e/ou posicionamento político, portanto trata-se de intervir na realidade enquanto a mesma é pesquisada. Passos e Barros (2009a, p. 17) afirmam que “tal processo se dá por uma dinâmica de propagação da força potencial que certos fragmentos da realidade trazem consigo. Propagar é ampliar a força desses germens potenciais numa desestabilização do padrão”. Isso torna ainda mais evidente a importância de acompanhar processos por meio da imersão no plano da experiência, pois apenas quando se assume que o conhecimento sempre representa uma transformação da realidade é que a pesquisa pode ganhar complexidade e assim se tornar capaz de explorar os limites dos procedimentos metodológicos utilizados (PASSOS e BARROS, 2009a). Então, para minha pesquisa, conhecer o caminho será equivalente a “caminhar com esse objeto, constituir esse próprio caminhar, constituir-se no caminho. Esse é o caminho da pesquisa-intervenção” (PASSOS e BARROS, 2009a, p.17).
“O método, assim, reverte seu sentido, dando primado ao caminho que vai sendo traçado sem determinações ou prescrições de antemão dadas. Restam sempre pistas metodológicas e a direção ético-política que avalia os efeitos da experiência (do conhecer, do pesquisar, do clinicar, etc.) para daí extrair os desvios necessários ao processo de criação” (PASSOS e BARROS, 2009a, p. 31, grifos nossos).
A segunda pista que irei discutir, refere-se à cartografia como método de acompanhar processos. Ao acompanhar um processo, torna-se possível desenhar as redes e as conexões de forças às quais o objeto está ligado, possibilitando a compreensão do seu papel e do seu nível de influência e de participação no processo investigado (POZZANA e KASTRUP, 2009). Para que o processo seja acompanhado de modo livre, Pozzana e Kastrup (2009) afirmam que é necessário deixar-se levar pelo campo coletivo de forças. O objetivo do deixar-se levar é evitar a busca por informações, dados e comprovações, para que o foco recaia e seja direcionado na possibilidade de o cartógrafo abrir-se ao encontro com o novo. Como é possível compreender a partir e Rolnik (2007), o que se espera do cartógrafo é uma imersão nas intensidades para que seja dada voz aos “afetos que pedem passagem”. Colocar em prática a possibilidade de aceitar o devir ao acompanhar o processo, nem sempre é fácil, por exigir prática e por não poder ser aprendido através de livros (POZZANA e KASTRUP, 2009).
Pozzana e Kastrup (2009) alertam que a expressão “investigação de processos” possui dois sentidos diferentes. O primeiro sentido, ligado à teoria da informação, representa a pesquisa que é praticada como coleta e análise de informações, não sendo este o entendimento reconhecido pelx pesquisadxr cartógrafx. O processo para x cartografx é entendido como processualidade, sendo esse o coração da cartografia (POZZANA e KASTRUP, 2009). A pesquisa que tem como direção a investigação de processos, em sua maioria, já se trata de um processo em curso, assim sendo, x cartógrafx muitas vezes depara-se com a necessidade de começar pelo meio. Isso ocorre por vários motivos, dentre os quais, os mais representativos são: pelo momento presente já carregar uma história e pelo território presente possuir uma espessura processual (POZZANA e KASTRUP, 2009) isso significa que:
“A espessura processual é tudo aquilo que impede que o território seja um meio ambiente composto de formas a serem representadas ou de informações a serem coletadas. Em outras palavras, o território espesso contrasta com o meio informacional raso” (POZZANA e KASTRUP, 2009, p. 59, grifos nossos).
As pesquisas modernas, em geral, seguiam uma mesma sequência de etapas – coleta, análise e discussão de dados. Esse modo representa uma série de momentos distintos e separados entre si, de modo que apenas quando se termina uma etapa se prossegue para à próxima. De modo contrário, a cartografia se constitui de etapas que podem ou não ser sequenciais, porém que não se separam (POZZANA e KASTRUP, 2009). Dessa forma, a cartografia pode ser entendida “como o próprio ato de caminhar, onde um passo segue o outro num movimento contínuo, cada momento da pesquisa traz consigo o anterior e se prolonga nos momentos seguintes” (POZZANA e KASTRUP, 2009, p. 59).
A terceira pista que segui no desenvolvimento da minha cartografia refere-se à política da narratividade. Inicio com a seguinte frase: “Somente a expressão nos dá o procedimento” (DELEUZE e GUATTARI apud PASSOS e BARROS, 2009b). A escolha de uma determinada posição narrativa deve ser entendida como algo conectado às políticas que representam a pesquisa. Desse modo, não podemos abrir mão de uma linguagem própria para nos fazer entender (PASSOS e BARROS, 2009b). É também por isso que eis aqui uma Alquimista. A política da narratividade se apresenta como uma posição tomada pelx pesquisadxr, frente ao mundo e a si mesmo, definindo sua forma de expressar o que acontece e o que percebe/enxerga em seu percurso (PASSOS e BARROS, 2009b). Logo, a cartografia nos permite explorar outras formas de escrita, admitindo um sentido diferente para rigor metodológico – o que acaba por ampliar nossas possibilidades de expressão, sem que haja um comprometimento do exercício crítico exigido por todas as pesquisas.
Anotação 05: A relação com os sujeitos
A partir da argumentação que desenvolvi anteriormente, é possível compreender que quem opta pelo método cartografia, além de realizar uma pesquisa/análise-intervenção, acaba por assumir um posicionamento político. Por isso, a partir desse momento, todas as escolhas adotadas tentaram considerar os possíveis impactos frente às intervenções que se constituiriam em campo. Desse modo, a forma de relação com os sujeitos assumida e entendida como a mais apropriada foi a interacionista do tipo “rizomática”, ou seja: aberta, difusa, indeterminada e não-hierárquica. A fim de tornar mais claro como se dá esse tipo de interação, irei explicar de onde emergiu o termo “rizomático” e esclarecer alguns de seus princípios. Também fundamentarei a perspectiva interacionista, justificando, ao mesmo tempo, a sua escolha e as minhas intenções ao assumi-la como forma de relacionamento com os sujeitos envolvidos na pesquisa.
O termo “rizoma”, originalmente conceituado e adotado pelas ciências biológicas, foi apropriado por Deleuze e Guattari. Esses filósofos inspiradores do método da cartografia usaram o termo rizoma – que determina um certo tipo de raiz para a biologia – tomando partido de sua forma e de suas características profusas, imbricadas, que crescem sem direção definida. Com isso, ampliaram as possibilidades teóricas/cientificas, que antes ficavam “aprisionadas” no modelo positivista de árvore (DELEUZE e GUATTARI, 1995). O modelo rizomático é representado por linhas e não por formas, de modo a permitir que o que seja pesquisado/investigado/analisado possa “fugir, se esconder, confundir, sabotar, cortar caminho” (TRINDADE, 2013). Essas linhas denominadas por Deleuze e Guattari (1995) como “linhas de fuga” representam linha de intensidades. São chamadas dessa forma por buscarem fugir de tentativas totalizantes. Desse modo, o modelo rizomático apresenta-se como uma resistência ética, estética e política ao pensamento cartesiano, positivista e linear.
“Pesadelo do pensamento linear, o rizoma não se fecha sobre si, é aberto para experimentações, é sempre ultrapassado por outras linhas de intensidade que o atravessam. Como um mapa que se espalha em todas as direções, se abre e se fecha, pulsa, constrói e desconstrói. Cresce onde há espaço, floresce onde encontra possibilidades, cria seu ambiente” (TRINDADE, 2013, grifos nossos).
O pensamento rizomático possibilita que as linhas sejam tortas, que elas se confundam e se alastrem, catalisando e multiplicando suas conexões, suas intensidades e suas potências, logo ampliando as chances de criação e de produção de novos sentidos. “A questão é produzir inconsciente e, com ele, novos enunciados, outros desejos: o rizoma é esta produção de inconsciente mesmo” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 28).
“Interacionismo” e “interacionista” têm como origem o termo “interação”, que significa a ação mútua entre os seres (GOULARTE, 2010). Esse entendimento me permitiu escolhê-la como forma de me relacionar com os sujeitos, por representar, a cartografia, uma forma diferente de relação/interação. Minha intenção ao assumir esse modo de relacionamento foi criar a possibilidade de todos os envolvidos na pesquisa/análise-intervenção ocuparem concomitantemente o papel principal e buscar permitir amplificar suas vozes.
Anotação 06: O critério espacial
Diante dos partidos e das posições assumidas, bem como do alinhamento e das afinidades conceituais, o critério espacial entendido como o mais adequado foi a pesquisa de campo. A pesquisa de campo desenvolve-se in loco, ou seja, onde a interação acontece, sendo também os espaços/lugares onde foram vividas e experienciadas a cartografia. Alguns autores definem pesquisa de campo como: “[...] investigações em que, além da pesquisa bibliográfica e/ou documental, se realiza coleta de dados junto a pessoas, com o recurso de diferentes tipos de pesquisa” (FONSECA, 2002); “O estudo de campo estuda um grupo de pessoas com a intenção de ressaltar a interação entre elas, [...] porém [...] não foca em dados estatísticos” (TYBEL, 2017); e “[...] tende a utilizar muito mais técnicas de observação do que de interrogação. Procuram muito mais o aprofundamento das questões propostas” (GIL, 2008).
Anotação 07: A Abragência
Após o estabelecimento da relação com a sociedade, o próximo passo foi determinar a abrangência do Ouro. Compreendi, então, que a transmutação pretendida se caracterizava por uma abrangência de ordem exploratória. Isso significa que o Ouro pretendido buscou gerar maior familiaridade entre a sociedade e a questão investigada. De acordo com Gil (2008), o tipo de abrangência exploratória pode fazer uso de recursos como levantamento bibliográficos, entrevistas com pessoas experientes ou envolvidas com o problema pesquisado, para proporcionar uma maior aproximação com a questão.
Anotação 08: Os procedimento de campo
Adotei três tipos de procedimentos metodológicos ao logo do desenvolvimento da transmutação: o caminhar, a observação participante e os registros em diário de campo. A escolha desses três procedimentos foram fundamentais para a conquista do Ouro. Tais procedimentos me permitiram estabelecer conexões e entrecruzá-los, além de serem capazes de representar com fidelidade os posicionamentos assumidos para o desenvolvimento da pesquisa.
Registros em diário de campo: escrevendo sentimentos
Registrar, anotar, escrever, descrever, desenhar, expressar são verbos que certamente dizem respeito a esse procedimento metodológico. Como observado anteriormente, o diário de campo, além de ser um instrumento de registro, também pode ser entendido e representar um momento de análise. O diário de campo representou para mim o espaço onde a poesia do meu olhar pôde ser registrada. Os encontros, as danças, os movimentos, as luzes puderam ser capturados, paralém das lentes de uma câmera. Meus atravessamentos se transformaram em linguagens poéticas e foram expressados por meio de palavras e de croquis. Mas o que poderia ter sido objeto de registro, afinal?
Observação participante: um mergulho na vida
Esse procedimento metodológico foi interpretado como uma verdadeira imersão no objeto de estudo, na vida, na paisagem, no cotidiano e nas relações estabelecidas no espaço. Como já havia constatado a necessidade da vivência e da interação, entendi esse procedimento como apropriado na busca pela transmutação. Compreendi que quando podemos estar dentro, fora e principalmente entre podemos multiplicar as possibilidades de interpretações sobre o que podemos observar/vivenciar/investigar. Como será exposto a seguir, a observação participante transforma o pesquisador (alquimista!) em testemunha e coautor da observação.
“Defrontamos-nos em carne e osso com a realidade que queremos estudar. Devemos observar mais de perto os que a vivem e interagir com eles. Nessa expressão temos observação e participação. Temos então dois tipos de situações que se combinam: o pesquisador é testemunha (estamos na observação) e o pesquisador é co-autor (estamos na interação, na participação)” (GERHARDT, 2009, p. 101, grifos nossos).
A observação participante possibilita, por meio da escrita, descrevermos aquilo que foi vivenciado. Ao registrarmos nossa participação e nossa observação, podemos acessar novamente nossos sentimentos e atravessamentos. Esse tipo de procedimento também consegue levar à compreensão de questões subjetivas derivadas das relações sociais, das interações lógicas, das representações etc, por poder extrair seus dados e suas análises da experiencia vivida (GERHARDT, 2009). Contudo, Fontana (2018) alerta que, para realizar uma observação participante de qualidade, o pesquisador precisa redobrar os cuidados e as atenções, pois não pode chegar em campo com preconceitos estabelecidos. Outro alerta importante volta-se à necessidade de se manter o espírito atendo e curioso, perspicaz e questionador. Esse procedimento também é pura alquimia, pois permite ao pesquisador o desenvolvimento de questões e de reflexões muito mais profundas. Mas como seria possível acessar o que seria observável?
O Caminhar: uma modalidade própria de percepção
No livro “Caminhar, uma filosofia” Frédéric Gros (2010) realiza uma linda reflexão quanto ao ato de caminhar, permitindo desenvolver conjecturas de onde pode ter surgido a busca pelo caminhar como prática estética. Ao longo dos capítulos, o autor vai contando a história de vários pensadores/filósofos, como Nietzsche, Kant, Rimbaud, Rousseau e Gandhi, que fizeram da caminhada um hábito. Mas, mais que isso, tornaram-na um meio para acessar seus pensamentos e corporificar suas filosofias. O caminhar vivido e encarnado trata-se da soma, da multiplicação, do resultado sinérgico, obtido da minha forma de andar e de perceber a cidade, desde “O Flâneur” de Walter Benjamin, até o “Caminhar e Parar”, de Francesco Careri.
Walter Benjamin (2017), inicia o capítulo “O Flâneur” com citações, ao meu ver, poéticas. Acredito que não poderia introduzir, de maneira diferente, o que estaria por vir. Como poderia compor seu flâneur manifesto? Como conseguiria criá-lo diferente? Sou, como alquimista, incapaz de imaginar tudo isso de outro modo. A poesia capturada, vivida e sentida pelo flâneur me conquistou, me atravessou, transformou meu olhar e me possibilitou caminhar. Irei explicar a importância de “O Flâneur” em cada passo das minhas andanças e como ele foi capaz de trazer poesia ao meu olhar.
“O Flâneur” é um sujeito que busca a subversão. Para Benjamin (2017), subverter não era ir contra se opor ou confrontar, mas sim contornar até atravessar, deturpar até desvirtuar e distorcer até caminhar. O flâneur subverte quatro elementos: a solidão, a rapidez, o ocupacionismo e o consumo. A solidão, que para a maioria das pessoas pode ser considerada algo incomodo, triste ou pesado, é subvertida pelo flâneur quando ele faz uso desse anonimato para se esconder, se dissolver no meio da multidão, dissimulando solidão em liberdade de ser ele mesmo. A velocidade é subvertida quando o flâneur se permite ser lento, se permite parar/desacelerar, a diminuir o passo para observar toda a beleza e captar tudo que o atravessa.
“Subversão do ocupacionismo. O flâneur resiste terminantemente ao produtivismo circundante, ao utilitarismo que o cerca. [...] Mas nem por isso ele se mantém inteiramente passivo. Não faz nada, mas está com todas as coisas encurraladas, observa, seu espírito conserva-se incessantemente atento. E agarrando no ar os choques e os encontros, ele não para de criar imagens poéticas. E se não houvesse um flâneur, cada qual seguiria seu próprio caminho, produziria sua própria sequência de fenômenos, sem que ninguém pudesse testemunhar daquilo que ocorre nos cruzamentos. O flâneur nota as faíscas, as aproximações, os encontros” (GROS, 2010, p. 180, grifos nossos).
O flâneur subvertia o consumo devido a sua capacidade de não consumir e de não ser consumido pelo sistema. Nessa perspectiva ele sempre busca e se apropria de momentos, de encontros únicos, de instantes e de coincidências. Ele sempre captura no ar acontecimentos, a luz, os movimentos e as intensidades.
“Essa criatividade poética do caminhante se conserva, entretanto, ambígua: como dizia Walter Benjamin, ela é uma “fantasmagoria”. Ultrapassa a atrocidade das cidades para resgatar suas maravilhas passageiras, explora a poesia das coisas, mas sem se deter para denunciar a alienação do trabalho e das massas. Esse flâneur tem coisa melhor pra fazer: remitologizar a cidade, inventar novas divindades, explorar a superfície poética do espetáculo urbano” (GROS, 2010, p. 181, grifos nossos).
Foi dessa forma que a poesia em meu olhar ganhou espaço, voz e liberdade. O Flâneur de Walter Benjamin conduziu-me a enxergar a subversão como forma de atravessar caminhos delicados e perigosos, dando-me a segurança de não ser percebida na multidão, de ir lenta ou até parar nos “cruzamentos”, de não consumir e nem ser consumida, de captar em vez de produzir. Em consonância com Benjamin (2017), Careri (2017) também demonstra como a prática do caminhar é importante e pode ser adotada como modalidade para perceber as conformações urbanas contemporâneas.
No livro “Caminhar e Parar” (2017) foram reunidos escritos e artigos da trajetória do professor e pesquisador italiano Francesco Careri. Caminhar não significa aplicar um método, mas, antes, uma prática operativa. Nesse contexto, a ideia de deambulação das antigas vanguardas artísticas é somada aos termos náuticos para descrever as conformações urbanas contemporâneas, lidas pela imagem do arquipélago e os procedimentos ligados ao perambular. Assim, para além do sentido situacionista que o vocábulo “deriva” nos remete, passa a ser descrito como: “[...] uma palavra que carrega consigo a ideia surrealista do acaso e do navegar ao sabor das correntezas, como um veleiro que se move sem vento e sem mapa [...]” (CARERI, 2017).
De forma análoga, Careri (2017), destaca que, por mais que haja a necessidade de termos o ar libertário da deriva nos percursos que fazemos pela cidade, ou fora dela, devemos ter parcimônia no momento de parar, ou “ancorar”; sendo importante nos perguntarmos: onde “ancorar”? E, assim, termos em mente, como construir uma relação com o território sem que sejamos hostis. De algum modo, o conceito de deriva também significa estabelecer sentidos para uma “arte do encontro”. Desta maneira, o caminhar como modalidade de percepção significa, não apenas navegar à deriva para poder cartografar a cidade e, assim compreender como se constrói, mas, fundamentalmente, implica ir ao encontro do Outro – lido aqui pela matriz foucaultiana; e, em última instância, buscar um encontro consigo mesmo e com o lugar, para assim produzir um devir-outro – aquele conhecimento precioso como ouro, que nunca se esgota, em uma leitura rizomática sobre o ser e estar no espaço.
Considerações finais
Durante a introdução deste ensaio vários questionamentos foram lançados. Como validar uma pesquisa qualitativa? Como investigar usando o método da cartografia? Como realizar uma cartografia frente ao estudo das dinâmicas socioespaciais? Como garantir o caráter científico de uma pesquisa? Como multiplicar a possibilidade de conhecimento? Como expandir o olhar? Como intervir? Como se expressar? Como mapear forças, sensações e atravessamentos de um bairro? As respostas foram explicitadas ao longo do artigo, outras respostas podem ser encontradas nas entrelinhas do texto, conforme o olhar e a abertura de cada leitor, estudante e pesquisador.
O objetivo principal deste ensaio consistiu em contribuir com o debate sobre a Cartografia como metodologia possível para investigações das dinâmicas socioespaciais de um bairro. Tal objetivo foi alcançado através das discussões suscitadas ao longo da argumentação do texto. Através das três pistas assumidas para realização da cartografia da Alquimista – a cartografia como pesquisa/análise-intervenção, a cartografia como método de acompanhar processos e a cartografia como política de narratividade –, deu-se significação a uma fundamentação teórico-metodológica que pode ajudar a referenciar cientificamente não apenas esta investigação, mas também estudos científicos correlatos. Para além disso, este artigo deu relevo ao ato de caminhar – como procedimento de apreensão e de percepção de cidades.
Este ensaio procurou tornar claro que, ao se desenvolver pesquisas qualitativas, a elaboração e construção de instrumentos, artefatos e procedimentos metodológicos próprios possibilita ao pesquisador aproximar-se, imergir e aprofundar-se ainda mais no/com o objeto e na/com a investigação a ser realizada. Procurou tornar claro, também, que a adoção desse tipo de metodologia (Figura 2) pode levar a resultados mais potentes e instigantes. O artigo constatou, ainda, que metodologias preestabelecidas, positivistas e quantitativas, demonstram-se pouco efetivas e pouco adequadas aos propósitos de uma investigação como a que foi aqui pensada. A título de perspectivas futuras, fica a ser explorado como o método da cartografia poderia contribuir para o avanço do conhecimento de outros assuntos e temas que também são compreendidos e correlatos à arquitetura e urbanismo.
Referências
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Minicurrículos:
Heber Macel Tenório Vasconcelos
Arquiteto e Urbanista – UFAL (2014). Mestrando em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PósARQ-UFSC da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
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Evandro Fiorin
Arquiteto e Urbanista – UNESP (1998). Doutor em Arquitetura e Urbanismo – FAU-USP (2009). Estágio de Pós-Doutorado na Faculdade de Arquitetura do Porto (2015). Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina e dos Programas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNESP e UFSC (2018).
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Como citar:
VASCONCELOS, Heber Macel Tenório; FIORIN, Evandro. A alquimista: um ensaio metodológico. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 15, v. 01, n.19, e141, p. 1-19, jan./jun./2020. Disponível em: Disponível em:
http://revista5.arquitetonica.com/index.php/component/search/?searchword=alquimista&searchphrase=all&Itemid=101
Submetido em: 2020-04-21
Aprovado em: 2020-06-13
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