Trajetória Walter Ono
LEDA MARIA LAMANNA FERRAZ ROSA VAN BODEGRAVEN
EDITE GALOTE CARRANZA
Resumo
O arquiteto, artista e professor Walter Ono (1946- ) é graduado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1970. Ele pertence a geração de arquitetos paulistas que investigou novos caminhos para sua produção a partir do questionamentos do status quo arquitetônico (CARRANZA, 2013). Como artista, Walter Ono participou da 9ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1968. Atuou por cerca de 25 anos como desenhista/ilustrador em publicações das revistas Recreio, da Editora Abril e Bloquinho, da editora Bloch, bem como ilustrações e projetos gráficos de mais de cinquenta livros infantis.
Schigueru Ono, seu pai, foi o primeiro japonês formado em engenharia pela Politécnica da USP, geração de profissionais e contemporâneos como: os engenheiros-arquitetos Vilanova Artigas, Zenon Lotufo, Mário Schemberg, Ícaro de Castro Mello, entre outros.
Walter Ono (W.O.) responde às perguntas formuladas pelas entrevistadoras Leda Maria Lamanna Ferraz Rosa van Bodegraven (L.B.) e Edite Galote Carranza (E.C.), por email e videoconferência, no ano de 2020, em função da Pandemia do Novo Corona Vírus.
Introdução
L.B. Em 1977, primeiro ano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da FAU USP, nos deparamos com trabalhos diversos e a construção do conhecimento e formação. No meio de tantas disciplinas com diferentes temáticas e abordagens, houve uma disciplina formada por um grupo de professores, do qual Walter Ono fazia parte, que nos trouxe um novo olhar para a forma de se construir e pensar o design e a construção, a chamada tecnologia alternativa, que pode se dizer que antecedeu os conceitos de projetos sustentáveis, no Brasil.
Esse novo olhar propunha desde o uso de materiais conhecidos aplicados de forma diferenciada ou a utilização de técnicas antigas aplicadas de outro jeito, considerando o meio ambiente e os recursos disponíveis no local onde seriam realizados os projetos, para que fossem pensados de forma consciente e integrada. Era a oportunidade de se aplicar a taipa junto com o cimento, estruturas com bambu ou madeiras, contribuindo no modo de projetar e de construir.
Tivemos contato com solo cimento, argamassa armada, construção de blocos, técnicas de utilização de troncos de madeira, a energia solar
Conhecemos projetos elaborados por nossos professores e vimos que havia caminhos diferentes dos métodos convencionais e tradicionais que se utilizava para projetar e construir. Ainda me lembro da visita ao sítio do professor Walter Ono, e o quanto fiquei impressionada com as tecnologias alternativas que ele utilizou, tanto na construção da residência, como no tanque de criação de peixes.
Outro trabalho bastante interessante eram os brinquedos de parques infantis, construídos pela professora Elvira, apresentavam as técnicas, os encaixes e tratamentos nos troncos de madeira para serem dispostos em ambiente externo.
A disciplina propunha além do conhecimento das técnicas e tecnologias, que elas pudessem ser aplicadas em locais de habitações de baixa renda, onde o olhar dos futuros profissionais se fazia necessário. Cada equipe poderia desenvolver o projeto que achasse adequado sob orientação dos professores da disciplina.
Foi escolhido um bairro na periferia da zona sul de São Paulo. Na primeira visita à localidade, pudemos identificar diversos bambuzais, com troncos mais espessos com duas tonalidades, que poderiam ser utilizados no projeto.
Alinhados à disponibilidade dos bambus, identificamos que naquela época, faltava água no bairro, o que levaria os habitantes a construírem poços, nem sempre com distanciamento das fossas, conforme recomendado por normas sanitárias.
Elaboramos um projeto utilizando as peças de bambus que captariam água de chuva dos telhados locais e transportariam para tanques construídos acima do nível do terreno, filtrariam essa água através de grânulos e areias e levariam a água filtrada, por gravidade, à outra caixa de reserva, para que dali pudesse ser utilizada.
Fizemos projeto, maquete, fotos, painéis, trabalho descritivo das técnicas de filtragem, sanitárias, etc. A disciplina nos mostrou como aplicar na prática, os recursos naturais, de forma simples, respeitando o meio ambiente e sem ignorar as técnicas convencionais. Foi nosso primeiro contato com o conceito da sustentabilidade.
Parte 1 - Anos de formação
E.C. Walter Ono, você poderia nos contar sobre como surgiu o desejo de ser arquiteto?
(W.O.) Trabalhei como desenhista de projetos de arquitetura desde os 14 anos. Meu vizinho era um grande projetista de arquitetura. Naquela época, anos 1960, existia essa profissão para diversas áreas técnicas. Desenvolviam e detalhavam projetos de arquitetura e engenharia. Tudo na régua T, papel vegetal, caneta Graphus (com várias espessuras) para tinta nanquim, compassos com tira linhas, curvas francesas e normógrafos para escrever. Já varava noites trabalhando. E o caminho normal foi FAU.
E.C. Nos anos de graduação (1966-1970), grande parte da cultura brasileira seguia o conceito nacional-popular. Renato Ortiz (1995) analisa o conceito como sendo uma forma de ação de artistas, intelectuais e estudantes universitários, junto às classes menos favorecidas, e cujo principal objetivo seria ampliar sua consciência crítica. Para Ridenti, dentre as ações cita o método de alfabetização de Paulo Freire, os filmes do Cinema Novo, peças do Teatro de Arena e Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (Ridenti; REIS FILHO, 2002, p. 213). Como você avalia aquele momento de grande efervescência cultural? Você integrou algum grupo ou Movimento Estudantil?
(W.O.) Meu período na FAU foi de 1966 - 1970. Vivi todo esse clima da época na FAU Maranhão. Vila Buarque era a verdadeira Cidade Universitária. Esses acontecimentos culturais foram tão impactantes e num período muito curto. Eram muito pragmáticas que pediam reflexões e respostas rápidas.
Vou pontuar acontecimentos da época, porque é difícil, mesmo distante no tempo, sintetizar essa vivência tão intensa:
- Meu trote na FAU foi organizar um ciclo de Cinema Novo. O Thomas Farkas tinha acabado de fazer uma série de documentários no NE (tudo em P&B; 35mm filmados na famosa câmera Arriflex; gravador suíço para som direto Nagara, laboratório Líder, na 13 de maio). Conheci: o Thomas, pai do Kiko, que trouxe os filmes; Maurice Capovilla; o Roberto Santos (A hora e a vez de Augusto Matraga); o crítico de cinema, o francês Jean Claude Bernardet, ele morava na rua Dr. Vila Nova em frente à praça e me perguntou de cara: qual era o cachê? Oops, o Enzo Grinover, do Grêmio da FAU, não falou nada de pagamento. E o Jean Claude arrematou, perguntando: como um intelectual vive? Vieram mais alguns críticos de cinema de jornais e o Ciclo aconteceu.
- No ateliê além das aulas de projeto, após as aulas virava um grande espaço onde se produzia cartazes pra cinema e teatro em silk-screen (serigrafia), era tudo no recorte com estilete. Foi quando apareceu a Letraset, Letrafilm, Letratone. Chegou a escola Suíça de artes gráficas com a letra Helvética, o alfabeto perfeito com correções visuais e que o Cauduro e o Martino aplicaram no Metrô de SP. Eles criaram na época a marca da TV Cultura.
- Em 67, à noite, o Caetano, o Gil e o Décio Pignatari foram na FAU explicar o Tropicalismo. O Sérgio Ferro foi lá também.
- O Flávio Império foi nosso professor de CV no 2° ano, junto com a Renina Katz. Ele já trabalhava para o teatro com cenários e figurinos que também costurava. Estavam no auge: o Teatro Oficina, o de Arena, o TBC, o Maria della Costa, o Célia Helena, o Ruth Escobar, o Tuca. Em 66 O Chico estava no 4° ano e tinha acabado de fazer Morte e vida Severina e no ano seguinte A Banda. Ele já não frequentava as aulas. Às 17h, no Grêmio, todo dia tinha o Sambafo, o Chico tocando todos os sambas e o Manini no atabaque. Depois, à noite, continuava no bar do Zé, na Maria Antônia. Ali passavam todos antes da fama: Zé Keti, Paulinho da Viola,... No Sambafo era cerveja e pinga no porão. No meio daquela bagunça o Chico pediu pra gente ouvir uma música, que ele tinha acabado de compor: Olê, olá.
- Nessa época, sem dúvida, tinha-se uma preocupação com as camadas populares menos assistidas, principalmente com o nordeste. Filmes: Vidas secas; São Bernardo; Deus e o diabo na terra do Sol…; Teatro: Morte e vida severina; Música: muitas foram feitas. Coincidia com a construção de Brasília e os candangos. O Nordeste foi o foco.
- É importante lembrar que nessa época se discutia muito sobre a ‘Architect Association’, uma das melhores escolas inglesas de arquitetura, onde surgiu o movimento 'Archigram', que veio junto com toda a cultura POP. Na 9a. Bienal de São Paulo veio toda a arte POP americana (Roy Lichtenstein, Jasper Jones, Andy Warhol. Raul Schemberg, …), da qual participei com 5 desenhos.
- Nesse ano veio o arquiteto Van Eyck do Team Tem, para uma palestra que durou 3 dias no saguão da FAU Maranhão. Ele visitou a construção da FAU nova. E no último dia ele vaticinou: ‘dentro do vazio só cabe o vazio’.
- A biblioteca da FAU Maranhão era nossa fonte de informações (dos alunos da FAU Mackenzie também, porque lá não havia biblioteca). Vale lembrar que minha turma foi de 41 alunos. Toda bibliografia era em inglês, francês e espanhol. Revistas como a ‘Graphis”, ‘Domus’… e havia uma revista brasileira de arquitetura chamada ‘Acrópole’. Ali apareceu as obras do Eduardo Longo com aquelas ‘tendas’ de concreto armado no Guarujá.
- Era a época brutalista na arquitetura: Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Lina Bo Bardi, Milan, Ruy Ohtake… e ao mesmo tempo revoluções nas artes gráficas com o Push Pin de NY - Milton Glaser que faleceu este ano, Seymour Chwast que tanto influenciou Marcelo Cipis; Heinz Edelmann - ‘Submarino Amarelo”.
- Aconteceram muito mais coisas. Tudo isso junto e misturado com as assembléias e passeatas.
E.C. Você destacaria algum arquiteto, ou autor, que teve papel fundamental na sua formação?
(W.O.) Archgram, Frei Otto, Ricard Buckminster Fuller, Gaudi, Nervi, Kenzo Tange, Estudos de Keith Critchlow, Eladio Dieste, Emerich, Hassan Fathy, Lelé e a arquitetura vernacular - arquitetura sem arquitetos; e o autor Henry Thoreau.
E.C. Durante sua graduação na FAU-USP, ocorreu o importante Fórum de 1968, que tinha como principal objetivo “discutir e reformular o ideário do ensino e pesquisa de arquitetura”, rever a metodologia de ensino a fim de criar a estrutura de Ateliê Interdepartamental, com disciplinas obrigatórias e optativas e o trabalho desenvolvido no Departamento de Técnicas. Contudo, o Fórum foi marcado pelos intensos debates entre os professores João Batista Vilanova Artigas, de um lado, e o Grupo Arquitetura Nova (GAN) de Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império, de outro, que culminaram no denominado “racha” entre eles devido às posições divergentes. Naquele momento histórico conturbado, em pleno Regime Militar, o “racha” teria originado duas correntes de pensamento no ensino da arquitetura e urbanismo naquela faculdade: a pedagogia do desenho e a pedagogia do canteiro. Revolvendo aquele passado, gostaríamos que você relatasse se participou daquele Fórum e, em caso afirmativo, qual seria sua opinião sobre a dicotomia: desenho e canteiro?
(W.O.) Nesse Fórum foram suspensas as aulas para discussão da reformulação do ensino. Era uma época que se discutia forma e função; Le Corbusier ou Frank Lloyd Wright. E acabou a discussão com essa dicotomia citada. Sobre ‘o desenho e o canteiro’ é uma polêmica que o Sérgio Ferro colocou no seu livro sobre o desenho. Essa separação sobre o poder do desenho não existe pro arquiteto que vive a obra. Trabalhei com vários mestres de obras com quem aprendi muito e me ajudaram no meu aprendizado.
Parte 2 – O arquiteto e professor Walter Ono
E.C. Um ano após o fim do Fórum, o professor João Batista Vilanova Artigas foi aposentado compulsoriamente, Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre foram presos, outros professores responderam inquérito policial ou foram afastados. Como foi ingressar na FAU USP, em 1966, durante aquele momento histórico tão adverso?
(W.O.) Eu ingressei na FAU em 1966, estava lá, quando o Artigas foi cassado e não chegou a ser meu professor. Fui aluno do Sérgio Ferro no 1º ano e do Rodrigo no 2º ano. A situação política era muito tensa. Muitos colegas estavam engajados como militantes. Várias siglas existiam. Na FAU tinham vários da AP. Suas atividades não eram reveladas por questões de segurança devido ao AI-5. Nessa época nós tínhamos aulas o dia inteiro com bedéis tomando nossa presença assinada na entrada e saída, inclusive no ateliê. Nós, que precisávamos, trabalhávamos nos intervalos.Os escritórios ficavam na Vila Buarque e outros como eu abríamos escritórios como free-lancers. Fazia perspectivas para construtoras. Na época trabalhei muito para a ‘Forma e Espaço’. O vallandro fazia todas para o Ruy Ohtake. Tinha o Ricardão, o Minoru. Sobrava pouco tempo para atividades de militância política, mas acompanhávamos de perto. Os telefones não funcionavam direito e os contatos eram presenciais.
E.C. -Segundo Pedro Fiori (2002, p. 177) o Curso Integrado de Projeto e Desenho Industrial (1977) foi uma experiência de ensino baseada nas ideias e ideais do Grupo Arquitetura Nova. Você poderia nos contar como o curso surgiu e como foi sua experiência ao lado de Rodrigo Lefèvre, Siegbert Zanettini, Félix Araújo, Dario Montesano e Eideval Bolanho, Ermínia Maricato, Telmo Pamplona, Ivone Mautner, Percival Brosig e Elvira de Almeida.
(W.O.) Estava acostumado, porque já vinha de uma experiência da FAU São José dos Campos que implantou a experiência de Brasília com o Paulo Bastos e a Mayumi. Dá certo, mas dá muito trabalho de coordenação. Foi fundamental: a abertura dos professores a essa integração com o foco no projeto e o número limitado de alunos. Eu estava nesta equipe interdisciplinar da FAUUSP.
No 1º ano de SJC o desenho era voltado a uma experiência prática, vivenciada. E num dos exercícios desenvolvia o cálculo geométrico da estrutura, como essa que fiz com os alunos: bambu, corda barbante e papel sulfite com cola branca (Figura 1):
E.C. -Ainda segundo Pedro Fiori, o curso da FAU, à época, dava grande ênfase às técnicas e tecnologias em detrimento ao denominado “desenho hegemônico” pois seu objetivo seria o de desenvolver “tecnologias alternativas”. Você poderia nos falar um pouco sobre a disciplina ministrada na FAU e explicar o que seriam “tecnologias alternativas” na concepção daquele grupo? Tais tecnologias estariam questionando à arquitetura hegemônica representada pela Escola Brutalista Paulista?
(W.O.) Coincidiu com o final do ‘milagre brasileiro’, período de reflexões mais intuitivas, pragmáticas, que estivessem mais ao nosso alcance de produzi-las. Eu acabara de voltar dos EUA, fiquei na RIT - Rochester Institute of Technology, fazendo um curso de Design de Embalagem. Era um campus novo, moderno. Lá estava a Kodak que financiava o Instituto, a Xerox… de lá contatei o pessoal já engajado na ‘tecnologia alternativa’. Os contatos foram feitos através do “Whole Earth Catalog” ii (era o Google alternativo da época). Era um pessoal da geração ‘Big Sur’, das geodésicas, que se dedicaram a pesquisar toda a bibliografia relativa à contracultura. Eles editaram o famoso ‘Domecook book’, onde publicaram a tabela, para projetar geodésias, o ‘chord factor’ inventado por Richard Buckminster Fuller ii, para executar o “triângulo curvo” para o fechamento da geodésica. depois publicaram ‘Shelter’ e vários outros. O último foi o ‘Whole Earth Epilog’, que o editor Stewart Brand na 4a. capa publicou a famosa frase que o Steve Jobs repetiu como paraninfo em Stanford: ‘Stay hungry, stay foolish’. Fui pra Cape Code, em Massachusetts, o Instituto Oceanográfico onde conheci vários Phds que montaram o’The new alchemists’ do qual virei sócio. Pesquisavam na Costa Rica produção de proteínas no modo intensivo. Fomos juntos até Vermont, num encontro de tecnologias alternativas. Estavam lá jovens de todos os estados americanos.
De volta, em uma palestra, conheci o Paolo Soleri, que foi assistente do Frank Lloyd e estava em campanha para recolher fundos para o seu ‘Arcology’ (arqueologia+ecologia) no deserto do Arizona, em Scottdale. Construída com estudantes voluntários pagantes. Uma arquitetura surpreendente que deixaria ‘Guerra nas Estrelas’ muito para trás. Vale a pena pesquisar.
No meu caso, desde os anos setenta comecei a não mais usar o metro como medida. Uso até hoje, o módulo do tatami japonês como padrão e como cobertura formas mais orgânicas, e a técnica mais adequada foi à argamassa armada, depois publicaram ‘Shelter’ e vários outros. O último foi o ‘Whole Earth Epilog’, que o editor Stewart Brand na 4a. capa publicou a famosa frase que o Steve Jobs repetiu como paraninfo em Stanford: ‘Stay hungry, stay foolish’. Fui pra Cape Code, em Massachusetts, o Instituto Oceanográfico onde conheci vários Phds que montaram o’The new alchemists’ do qual virei sócio. Pesquisavam na Costa Rica produção de proteínas no modo intensivo. Fomos juntos até Vermont, num encontro de tecnologias alternativas. Estavam lá jovens de todos os estados americanos.
De volta, em uma palestra, conheci o Paolo Soleri, que foi assistente do Frank Lloyd e estava em campanha para recolher fundos para o seu ‘Arcology’ (arqueologia+ecologia) no deserto do Arizona, em Scottdale. Construída com estudantes voluntários pagantes. Uma arquitetura surpreendente que deixaria ‘Guerra nas Estrelas’ muito para trás. Vale a pena pesquisar.
No meu caso, desde os anos setenta comecei a não mais usar o metro como medida. Uso até hoje, o módulo do tatami japonês como padrão e como cobertura formas mais orgânicas, e a técnica mais adequada foi à argamassa armada:
L.B. Walter ono utilizou a modulação do tatami no projeto da Casa do Claudino (Figura 2), de 1977, uma residência de final de semana em Santana do Parnaíba. Construída de alvenaria Estrutural em tijolos prensados não queimados, curados na sombra, inclinação da cobertura de acordo com o mapa solar da região. Cobertura em argamassa armada com tela de gaiola e estrutura de viga de peroba. A cobertura tem parte posterior em forma de tronco de cone e demais faces com dois parabolóides hiperbólicos.
E.C. - Sobre o projeto da Igreja de Puebla para a Comunidade Eclesial de Base, Parelheiros (1976-1984),com sistema construtivo que associa estrutura tubular de aço, com fechamento de estuque, pode ser considerada um exemplo de “tecnologia alternativa”? Complementando a pergunta, em que medida o sistema se aproxima às ideias do Grupo Arquitetura Nova?
W.O. O fechamento foi em argamassa armada. A alternativa foi usar uma arquitetura poliédrica, tensionadas com cabos de aço. O cálculo foi geométrico, com a construção de um módulo em tamanho natural. Sobre o projeto está bem descrito no livro ‘Arquitetura Nova’ do Pedro Fiori Arantes, embora ele nunca ter me procurado; e a arquitetura nova, basicamente eles trabalhavam com abóbadas parabólicas com lajes pré -fabricadas. Fiz uma parabólica só com uma guia de madeira sem vigas pré-fabricadas e sem cimbramentos (Figura 3).
E.C. – No final da década de 1960, a obra do norte americano Richard Buckminster Fuller (1895-1983) foi amplamente divulgada no cenário britânico pela revista Architectural Design, em sua seção Cosmorama, bem como no Whole Earth Catalog. O revival da obra de Fuller, especialmente seus conceitos como Dymaxion (dynamics plus maximum efficiency), Sinergia e Ciência do Design Mundialmente conhecido por seus projetos de cúpulas geodésicas, Fuller é seguramente um pensador que atravessou os limites disciplinares. Seus conceitos Dymaxion (dynamics plus maximum efficiency) - que associam alta tecnologia e economia de meios, sinergia e Ciência do Design Antecipatório Abrangente – pesquisa sobre recursos a serem aplicados com eficiência e menor custo socioambiental. Antecipatório Abrangente, que versam sobre eficiência, alta tecnologia e economia de recursos naturais, além do seu livro “Manual de instruções para a espaçonave Terra”(1969), teriam motivado uma geração de arquitetos à “soft práxis”, ou seja, uma nova perspectiva para a produção arquitetônica, que levasse em consideração o discurso ecológico. Ainda sobre o projeto da Igreja de Puebla (Figura 4), seria correto afirmar que o sistema construtivo estaria em sincronicidade com a “soft práxis” de Fuller?
W.O. Assisti a uma palestra do Fuller, em São Paulo, ele estava gordinho e com muita pressa porque ele estava velho e teria de palestrar sobre suas teorias com o máximo possível de pessoas pelo mundo. Tinha muitas estruturas geodésicas em volta do seu pescoço e ia montando cada uma, enquanto palestrava. Acho que poucos levaram a sério a sua ‘soft práxis’, além de mim, o Eduardo Longo, o Lotufo…
No caso da igreja, sem dúvida. Envolvia, projeto, cálculo geométrico, produção antecipada, preparo da mão de obra e engenharia de montagem. Ela foi montada pelas pontas até se encontrarem no meio da estrutura. Incrível, a diferença que deu foi de 0,5 cm. Foi colocada uma malha de ferro com fechamento com várias telas de gaiola de passarinho (na época não existia malha específica para argamassa armada). Para colocar a argamassa recortamos placas triangulares de madeirit apoiadas manualmente (sem cimbramento) e retiradas logo após o assentamento da argamassa.
E.C. Gostaríamos que você relatasse quando as ideias sobre sustentabilidade e movimento ambiental começaram a motivar sua produção arquitetônica?
W.O. Todos os movimentos dos anos sessenta e setenta desaguaram na sustentabilidade de hoje, que começou com os ‘socialistas utópicos’ no início do séc.XX: ‘New Harmony’, do Robert Owen; os Falanstérios do Fourier, que o Le Corbusier usou seus padrões na reconstrução de Marseille…
L.B. Poderia falar se teve algum projeto que realizou utilizando essas técnicas e que não teve resultado bem sucedido?
W.O. Não me lembro, de projetos realizados, não terem dado certo, porque tudo que eu usava eu testava exaustivamente com vários protótipos no meu sitiozinho (Figura 5, 6 e 7). Para os bambus eu tinha 3 fornos de tratamento iii.
W.O. Esse projeto era uma casa ateliê. Com a modulação do tatami japonês. É toda em estrutura de madeira e o projeto foi feito basicamente na maquete e depois desenhada. O fechamento foi feito com placas chamadas ‘Climatex’ do RGS ( fora de produção): fiapos de pinho prensadas com cimento, as quais ficavam bem areadas, dando confôrto térmico e acústico (eram usadas para forros industriais); depois eram revestidas com argamassa armada. Na cobertura foi usada a mesma técnica. A análise do desenho, da lateral abaixo, foi feita pelo arquiteto Edson Tani (Figura 8), especialista em Arquitetura Sagrada. Esse projeto foi ‘consagrado’ pelas proporções.
L.B. Gostaria de falar um pouco sobre sua atuação profissional ou algum ponto importante ou crítico?
W.O. Trabalhei com muitas técnicas e materiais e todo esse trabalho demanda muito tempo. Minhas últimas experiências foram com placas pré fabricadas em argamassa armada com o interior em EPS e o principal usando um polímero para preenchimento com nível zero para não necessitar de vibrador. Deu muito certo após várias receitas. Iria aplicar industrialmente, pra começar, nos sanitários de galpões industriais de um condomínio de galpões para logística, em Sumaré, mas o proprietário faleceu. Perdi o pique e o dinheiro. Parei com essas aventuras e continuo trabalhando com o que investi na experiência. Depois de vinte anos de argamassa armada artesanal, uma bela surpresa, uma obra em argamada armada industrial, com ‘know how’ repassada, graciosamente pelo Lelé (Figura 10, 11 e 12). Um
Referências
ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre. São Paulo: Ed.34, 2002.
AUT 50 anos (1964-2014): uma reflexão sobre o passado e o presente para uma visão do futuro / organização de Rosaria Ono, Denise Duarte, Vera Maria Pallamin, et al. São Paulo: FAUUSP, 2015.
186 p.
CARRANZA, Edite Galote. Arquitetura Alternativa: 1956-1979. Tese de doutorado em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2013.
FULLER, Richard Buckminster. Manual de instruções para a Nave Espacial Terra. Porto: Via Optima, 1998
LEFÈVRE, Rodrigo. In. FÓRUM: O percurso do ensino na FAU. Revista Caramelo, São Paulo, n°6, p.9-22, 1993.
LOTUFO, Victor A; LOPES, João Marcos A .Geodésicas & Cia. São Paulo: Projeto Editores Associados, s/d.
MARTINS, L. A “Geração AI-5” e Maio de 68: duas manifestações intransitivas. Rio de Janeiro: Argumento, 2004.
SANTOS, Luciene Ribeiro. Os professores de projeto da FAU-USP (1948-2018): esboços para a construção de um centro de memória. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAUUSP, 2018.
WALTER Ono. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa4350/walter-ono>. Acesso em: 28 de Mai. 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
ZAPPA, R.; SOTO, E.. Eles só queiram mudar o mundo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008
Notas das autoras:
i Publicação periódica de Stewart Brand, o Whole Earth Catalog (1968-1972) foi editada como um catálogo de produtos destinados ao público alternativo. Além dos produtos, continha matérias, colunas, entrevistas e cartuns. A publicação foi amplamente divulgada e apreciada pelos adeptos da “vida alternativa”, como a comunidade hippie Drop City, Arizona, EUA.
ii Richard Buckminster Fuller (1895-1983), filósofo, físico, inventor, cartografo, engenheiro, professor e arquiteto é considerado por alguns autores como uma espécie de “Guru” do Movimento Ambiental. Seu trabalho teve grande repercussão na década de 1960 e influenciou gerações de arquitetos. Contudo, há um equívoco a ser esclarecido. De fato, Fuller não foi o inventor da A cúpula geodésica e sim Walter Bauersfeld, cientista e design alemão da Indústria Ótica Zeiss. Bauesfeld projetou uma estrutura de ferro-cimento, com armação em geodésica, para o Planetário na cidade de Jena, Alemanha, em 1922.
iii Walter Ono nos relatou a técnica para trabamento do bamboo. Segundo ele, o resultado da construção começa pela escolha do tipo de bamboo, depois o cuidado para sua limpeza, a queima lenta em fornos à lenha e, especialmente o corte, que deve ser feito com serra manual de aço. Trata-se de uma serra especial, de aço, semelhante a uma espada.
As autoras agradecem a dedicação de Walter Ono.
Minicurrículos:
Leda Maria Lamanna Ferraz Rosa van Bodegraven é doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu (2019). Docência pela FGV (2012), MBA em Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (2011) e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1981). Atualmente é Conselheira Titular no Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (2021-2023).
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Link para Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5090769234155464
Docente permanente no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo. Doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) em 2013. Mestre pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie (2004). Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura Mackenzie (1991). Editora-chefe da 5% Arquitetura + Arte
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Como citar:
BODEGRAVEN, Leda Maria Lamanna Ferraz Rosa van; CARRANZA, Edite Galote. Trajetória Walter Ono. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 16, volume 01, número 21, e178, p. 1-18, jan./jun., 2021. Disponível em:
Submetido em: 2021-01-15
Aprovado em: 2021-06-25
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