O projeto como objeto de investigação: observações sobre o processo de projeto a partir da maquete física

Categoria: Ciências sociais aplicadas: Arquitetura Imprimir Email

ANA ELISA SOUTO

VANESSA DE CONTO

Resumo:

Este trabalho apresenta o desenvolvimento de um exercício projetual realizado pelos estudantes do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Maria do Campus de Cachoeira do Sul, na disciplina de Projeto I. O enfoque desta comunicação centra-se na importância do uso da maquete física no processo de ensino e aprendizagem como um recurso didático relevante para a criação de espaços livres e para a relação entre espaço aberto e arquitetura. As questões elencadas decorrem de um conjunto de ações necessárias fundamentais no processo e ensino de projeto.

A metodologia utilizada parte da construção de uma maquete física para a elaboração de um projeto de um pavilhão público em que se devem criar ambientes de integração entre a arquitetura proposta e os espaços livres abertos. As considerações finais partem da importância deste recurso didático como ferramenta tridimensional para o aprendizado de projeto e do domínio das variáveis espaciais.  Busca-se analisar de que maneira os modelos tridimensionais são utilizados no processo de projeto arquitetônico no ateliê de projeto I e qual o papel que desempenham no ensino do projeto contemporâneo.

 Introdução

O ensino de projeto nos cursos de arquitetura é considerado uma disciplina central, pois organiza e sintetiza a aplicação dos conteúdos e técnicas de todas as demais disciplinas do curso. Diferentemente da aulas teóricas tradicionais, em que o aprendizado se dá pela transmissão de conteúdos e direcionamento para a pesquisa pelo professor. Na disciplina de projeto o aluno é quem direciona a elaboração de seu trabalho, a partir de análises, sínteses e integração de saberes. Ao professor, cabe a tarefa de orientar a tomada de decisão e incentivar a autonomia dos estudantes frente a resolução dos problemas de projeto.

Tal autonomia pressupõe instrumentar o aluno a tomar decisões em nível consciente, integrar os vários conteúdos necessários ao projeto, pesquisar e ampliar seu repertório projetual e manejar ferramentas de representação em duas e três dimensões. Como disciplina de cunho prático é oferecida desde o primeiro semestre do curso tendo uma temática de complexidade crescente.

Segundo Oliveira (2007), o ateliê de projetos, em uma escola de arquitetura, é o lugar onde se realiza a prática que reúne a ação pedagógica e a produção arquitetônica. Na disciplina de projetos se pratica algo aproximado ao que o futuro arquiteto fará após graduar-se. A disciplina deve conduzir o estudante a uma compreensão do que, de fato, constitui o ato de projetar. O aluno deve aprender e entender a respeito dos aspectos operativos do projeto e sobre as informações de que se dispõe, sobre aquilo que se espera que produzam como parte central de seu aprendizado, os projetos.

Estas disciplinas dispõem de métodos de ensino que se constituem, muitas vezes, em atos de aprender fazendo, propiciado através do próprio exercício de projetar ou pela experiência dos docentes. O saber prático se internaliza na experiência do estudante e a construção do conhecimento se dá no curso da ação projetual (MARTINEZ,2000).

O processo de projeto em arquitetura pode ser compreendido como a realização de uma sucessão de procedimentos que se complementam nos planos conceitual, formal, material e estrutural. Em sua fase preliminar, busca-se a definição do problema arquitetônico a partir de análises relativas às necessidades funcionais, condicionantes locais, recursos materiais e técnica construtiva.

Há vários modos de resolver um projeto. As decisões fundamentais devem ser baseadas nas condições intrínsecas e específicas de cada problema arquitetônico. Já dizia Vitrúvio 2000 anos atrás: “Em toda construção deve-se levar em conta sua solidez, sua utilidade e sua beleza. “Até meados do século XVIII a boa arquitetura seria aquela que apresentasse um equilíbrio entre os três componentes da tríade Vitruviana; Firmitas (solidez) e Utilitas (adequação funcional), que fazem parte da esfera racional do conhecimento e Venustas (beleza, no entendimento de alguns), que é o componente estético da tríade” (MAHFUZ, 2004, p.03).

O autor propõe a redefinição dos aspectos essenciais da arquitetura por meio de um quaterno composto por três condições internas ao problema projetual (programa, lugar e construção) e uma condição externa, o repertório de estruturas formais que fornece os meios de sintetizar na forma as outras três. As condições internas são os estimulantes da forma, pela presença constante, com maior ou menor intensidade, na origem e no desenvolvimento do processo projetual. Enquanto a beleza estava no centro das preocupações arquitetônicas até recentemente, o quaterno contemporâneo tem como foco a construção da forma pertinente que possui sentido relacional e representa uma síntese de todos os condicionantes que participam do processo projetual.

O quaterno contemporâneo foi utilizado como metodologia de projetação. A metodologia não é uma regra, mas gera uma ordem de procedimentos que organiza a forma de ensino. Existe uma necessidade nos projetos iniciais de adotar uma metodologia objetiva de ensino, vinculada ao desenvolvimento de projetos. Isso ocorre em função da imaturidade projetual de discentes, que ao estarem iniciando seus estudos, não possuem uma formação teórica e prática que lhes permita desenvolver propostas mais fundamentadas. O aluno necessita trabalhar com critérios, princípios e valores que norteiem o processo projetual, considerando seu potencial criativo, buscando o diálogo entre a técnica e a criatividade.

Segundo Mahfuz (2004), a importância da construção para a arquitetura é tanta que se poderia afirmar que não há concepção sem consciência construtiva. A construção é um instrumento fundamental para conceber, não apenas uma técnica para resolver problemas. O projeto e sua solução formal, é uma síntese do programa, das sugestões do lugar, da disciplina, da construção e sua estrutura. A disciplina desenvolve uma sensibilização de todos os conteúdos que são integrados e sintetizados na forma arquitetônica. Quanto a questão estrutural, esta é desenvolvida de forma integrada ao processo de projeto, conjuntamente com todas as premissas projetuais. Uma das características das produções arquitetônicas caracterizadas como atemporais, é o papel relevante que a estrutura desempenha na definição da sua composição espacial e na configuração dos espaços.

A elaboração do projeto se inicia no momento em que o arquiteto compreende, interpreta, seleciona, hierarquiza e transforma esses dados pré-existentes do problema arquitetônico conforme uma escala de valores pessoais. A interpretação dos dados do problema implica em uma mudança qualitativa no processo, anteriormente analítico e objetivo, para uma dimensão de seletividade, desempenhando um papel central. Entre os objetivos desse processo, encontra-se o desenvolvimento de uma estrutura para compreender como esses elementos se relacionam entre si, determinando a natureza e as características do artefato projetado.

Durante a realização do projeto, a compreensão e interpretação de cada aspecto, colocado como premissa, exige do arquiteto a tomada sucessiva de decisões. Cada uma dessas decisões é um ato racional, operado a partir do conhecimento específico do problema, relativizado pela experiência vivida do arquiteto e pelo momento em que se realiza o projeto.

Dentro do processo de projeto são várias as etapas percorridas até se chegar à definição formal, estrutural, material, uso da paisagem e dos resultados desejados. Por outro lado, há vários modos de se aprender a projetar e, apesar das diferentes práticas pedagógicas existentes, a maquete física é fundamental para o trabalho desenvolvido no ateliê de Projeto I da UFSM/CS.

Pouco familiarizados com as formas de representação em duas dimensões nos primeiros meses do primeiro semestre do curso, faz com que a interpretação de ideias e representação dos projetos em três dimensões, torna-se uma atividade indispensável no processo de ensino-aprendizagem. A modelagem manual, realizada com papéis apropriados, respeitando tanto a escala de representação sugerida quanto dos materiais, é utilizada como ferramenta essencial no processo de projeto. Essa metodologia difere-se da utilização da maquete física para a simples representação ou apresentação final do projeto desenvolvido. Buscou-se ao longo de toda a experiência didática, reforçar o papel fundamental da maquete física para o desenvolvimento das várias etapas do processo de projeto. A correlação entre processo e resultado, que raramente se atinge nas primeiras disciplinas de projeto, foi facilitada pela utilização da maquete.

Desse modo, a maquete física é a representação em escala reduzida da proposta de projeto e é considerada uma ferramenta facilitadora da percepção do espaço, tanto aberto quanto construído, já que se caracteriza por sua relação direta com a forma de representação da realidade miniaturizada. Essa ferramenta pode ser considerada um instrumento de extensão do desenho, com a vantagem de possibilitar a manipulação da terceira dimensão, que é real.

O modelo tridimensional físico é um instrumento para a geração formal, compositiva e estrutural, para testar ideias e enriquecer o processo de desenvolvimento, interagindo com as demais linguagens gráficas. Desse modo, contribui para iniciar o aluno no estudo das relações de composição, escala, proporção, estrutura e modelagem da topografia. Contribui também para determinar o papel que os diferentes estratos da vegetação podem assumir no desenho da paisagem e na construção dos espaços livres.

A modelagem manual, contribui para o desenvolvimento da percepção e construção mental do estudante acerca do projeto e, sobretudo, para a interatividade entre pensar, fazer e ver. Essa ferramenta transmite várias informações ao projetista, pois permite a interação física direta e estimula percepções além da visão. Dentre as relações relevantes representadas na maquete, estão: a volumetria do entorno, da paisagem adjacente, as massas vegetais presentes, a ideia de forma e sua relação entre estrutura e materialidade. A maquete torna visível o impacto da implantação da proposta em relação ao lugar de projeto. Ao permitir a visualização tridimensional, alimenta a reflexão do estudante e a contribuição do docente durante o processo de ensino e aprendizagem, tornando-se um instrumento didático.

O objetivo desse trabalho é analisar de que maneira os modelos tridimensionais são utilizados no processo de projeto arquitetônico no ateliê de projeto I e qual o papel que desempenham no ensino do projeto contemporâneo.

Representação do espaço através da maquete

O modelo tridimensional físico constitui-se como uma importante ferramenta de representação na área da arquitetura. Esse tipo de representação já era utilizado na Antiguidade para representar obras já construídas e também com o objetivo religioso. No Renascimento, ganha relevância quando deixa de servir apenas para representar projetos e passa a ser incluído no processo de projeto de concepção projetual (RAGONHA E VIZIOLI, 2013).

Ao longo da história da Arquitetura e Urbanismo, o desenvolvimento de maquetes físicas tem se mostrado como uma ferramenta eficaz de concepção, representação e apresentação do projeto. Desse modo, as maquetes podem comunicar de forma imediata e verdadeiramente acessível, as ideias acerca das formas, dos materiais, da estrutura, das dimensões, alturas e das cores. No entanto, diante do desenvolvimento das novas tecnologias de informação, comunicação e digitais, as maquetes físicas passaram por um processo de subutilização e descrédito. Assim como as técnicas manuais de representação gráfica, sendo inclusive apontada como uma forma de representação obsoleta.

No entanto, as maquetes físicas e os modelos tridimensionais continuam sendo objetos de extremo valor cognitivo, capazes de atuar ativamente no processo de ensino e aprendizagem da arquitetura e urbanismo, especialmente como material didático de apoio aos professores de disciplinas teóricas e práticas (SOUTO, 2019).

A maquete auxilia na concretização imediata da concepção espacial por meio de elementos tectônicos ou através da definição de áreas verdes e ou pavimentadas. É um instrumento que facilita a compreensão, desenvolvimento e elaboração do projeto de forma didática. Essa ferramenta, ajuda a iniciar o estudo das relações de composição e a determinar o papel que os vários tipos de vegetação podem assumir no desenho espacial. O importante nessa etapa é a definição geral na formação dos espaços e quais características e efeitos se conseguirão, com as espécies vegetais mais altas ou baixas. Esse processo é facilitado através das ferramentas de modelagem física (ABBUD, 2007).                                                                                                                          

Para Basso (2005), o modelo tridimensional ou maquete, assim como o desenho, assume um valor de meio de comunicação da ideia arquitetônica, e pode ser definido em três características principais:

Como um objeto de riqueza própria, quando separado de sua função de representação; como um objeto de registro histórico, que revela hoje a forma de criação e a concepção de alguma arquitetura do passado, não construída ou que não tenha sobrevivido ao tempo; e ainda, como uma ferramenta de estudo, para conceber, representar e apresentar um projeto (BASSO, 2005, p.48).

Desse modo, maquete pode ser considerada um instrumento de criação fundamental para estimular a criatividade e na concepção de projetos. Tornando-se uma extensão do desenho técnico que permite ter noção de escala, de volumetria e proporção.

Na representação de uma ideia de projeto é necessária a elaboração de objetos tridimensionais que integram a representação técnica do desenho, sendo capaz de comunicar os aspectos de proporção, forma, volume e materiais (BENVEGNÚ, 2019). A necessidade de tridimensionalidade e da materialidade nos sistemas de representação, levou a revalorizar o papel dos modelos físicos, entendida como uma antecipação da proposta de projeto em escala reduzida.

[...] a palavra ampara, mas não é suficiente para o diálogo arquitetônico. O desenho e a modelagem são imprescindíveis para uma comunicação clara da forma plástica, da organização espacial e das soluções construtivas previstas. É somente a partir de uma apresentação gráfica e espacial completa da proposta arquitetônica que a crítica pode ser construída. Uma comunicação imprecisa e incompleta só pode fundamentar uma crítica igualmente inconsistente (ROZESTRATEN, 2004).

Para Imai (2010), o modelo físico é ferramenta indispensável para a percepção das necessidades do projeto.

Apesar da importância inequívoca dos instrumentos digitais, os aspectos didáticos e de transmissão de informação e de conhecimento para um público leigo, por meio de modelos analógicos, não podem ser considerados esgotados. O uso da maquete física busca agregar uma característica não encontrada nos modelos digitais: o cliente poder manusear o modelo diretamente, buscando trazer para mais próximo de seu universo de conhecimento o objeto representado, sem a necessidade de conhecimento prévio do meio de representação e da familiaridade necessária para seu manuseio (IMAI, 2010, p.13).

Durante o processo de ensino e aprendizagem no curso de arquitetura, o estudante pode utilizar diversas técnicas de representação. Diante disso, cada vez mais há a necessidade de interações complementares entre os vários meios disponíveis para a comunicação de ideias de projeto.

Reconhecendo as possibilidades e as limitações no cenário de ensino, a interação entre as diferentes formas de apresentação dos modelos tridimentiosnais, podem compensar as possíveis dificuldades de compreensão sobre o processo de projeto, ampliando o diálogo e a troca de conhecimento em sala de aula.

Processo de projeto

Segundo Floriano (2007), projetar é antecipar a construção das formas no mundo material. Desse modo, é possível pensar o projeto e sua base intelectual, transmitida para todos os participantes do processo. No entanto, para isso é necessário representar as ideias bi e tridimensionalmente. Consequentemente, deve-se materializar as soluções em representações para desencadear as consequências das várias possibilidades e implicações que surgem durante o processo de projeto.

Tanto os arquitetos quanto os estudantes de arquitetura acumulam conhecimentos e experiências que estão enraizadas em suas memórias e que se manifestam nas ações cognitivas durante a ação projetual. Estas representações, permitem materializar suas ideias e melhorar seu desempenho, facilitando a comparação e avaliação das diferentes possibilidades formais e compositivas. As representações assumem o papel ativo no processo de projeto, pois colaboram para tornar explícito as ideias que estão implícitas em quem está projetando.

Durante o processo de projeto, é necessário tornar o que está na mente em algo real, concreto, passível de compreensão, dando forma visível a uma realidade interna. Desse modo, é possível discutir aquilo que antes era só uma ideia, a fim de dar consistência e integridade ao projeto. O desenho é um dos meios disponíveis para essa materialização e sua comunicação. Mas, enquanto o desenho simula a profundidade com recursos da perspectiva, a modelagem compartilha com a arquitetura a própria tridimensionaldiade (ROZESTRATEN, 2006).

Durante o processo de projeto em arquitetura, o arquiteto deve experimentar e testar hipóteses, de modo a converter situações indeterminadas em determinadas. Esta tarefa envolve uma série de desenhos e modelos digitais e analógicos, que permitem fazer uma reflexão durante a ação. Nesse contexto, são produzidos artefatos para representar e testar soluções através do pensar e do fazer, que ocorrem simultaneamente. As descobertas emergem durante o processo de criação, quando o estudante deve ser capaz de refletir sobre os vários domínios pertinentes a sua atividade, diagnosticando os múltiplos aspectos do problema e propondo possíveis soluções para cada um deles.

Nesta fase, o aluno é capaz de confirmar ou rejeitar, com a orientação do professor, as diferentes possibilidades projetuais. Esta tarefa, envolve a produção de maquetes de estudo para representar e testar ideias através do pensar e do fazer, que ocorrem simultaneamente. Donald Schön denominou de “reflexão na ação”.

A maquete como instrumento do processo de projeto é concomitante aos raciocínios. Os modelos tridimensionais permitem testar as hipóteses volumétricas de forma rápida. Todo projeto desencadeia transformações e possibilita novas relações. Analisando os modelos tridimensionais desenvolvidos pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, se observa que resolve-se de maneira conjunta a forma, a construção e a estrutura. O modelo revela proporções, transparências, opacidades, luz e sombras. Para o arquiteto: “É a maquete como croqui. A maquete feita na solidão! Não é para ser mostrada a ninguém. A maquete que você faz como um ensaio daquilo que está imaginando (ROCHA, 2007).

Dessa maneira, coloca-se em discussão o uso do modelo tridimensional no processo projetivo com caráter operativo, em contraponto com o modo utilitário. O primeiro, trata da transformação que se dá no projeto, o fazer-se pensar e repensar, gerando uma maior complexidade compreensiva e de reflexão. Já o caráter utilitário, serve de forma imediata, sem agregar mais possibilidades, esgotando seus efeitos e soluções (SOLANA, 2007). Para Florio e Tagliari (2008), fica evidente que os modelos físicos tridimensionais são poderosas ferramentas que ajudam a ver e entender os projetos, já que oferecem a possibilidade de separar e reunir diferentes aspectos do problema projetual de diferentes maneiras.

Experimentar, de acordo com Schön (2000), é atuar a fim de ver o que resulta da ação. As teorias só podem ser aprendidas por meio de aplicações práticas e só adquirem significado quando incorporadas durante a experimentação. O conhecimento tácito, fundamental nas diversas áreas que envolvem atividades projetuais, são exercitados durante a modelagem.

Segundo Fujioka (2005), é possível afirmar que a maquete possibilita a criação de um simulacro do percurso e da circulação, dos elementos que constituem a natureza do espaço arquitetônico, além da compreensão do sistema estrutural, de iluminação e ventilação. A maquete como elemento de investigação e pesquisa, no meio acadêmico, auxilia o aluno em suas diversas atividades projetuais, pois exercita fundamentos de geometria, proporção, escala e modulação. Desse modo, os modelos físicos proporcionam a interação em todo o processo de criação, respeitando e vivenciando uma metodologia aplicada nas etapas da construção, das partes ao todo (ARAÚJO, 2007).

A profissão de arquiteto tem sido transformada em um híbrido de processos analógicos e digitais. Nesse contexto, busca-se um equilíbrio entre as habilidades e conhecimentos sobre artefatos produzidos manualmente e aqueles produzidos computacionalmente. Um meio de representação não substitui o outro, sendo que cada ferramenta possui seu papel dentro do processo de projeto.

Metodologia de ensino da disciplina de Projeto I

Nos cursos de Arquitetura é possível estabelecer dois eixos norteadores e autônomos entre si na formação profissional do Arquiteto e Urbanista. Por um lado, as disciplinas de Projeto Arquitetônico com ênfase na configuração de edificações e concepção estrutural. Por outro, as disciplinas de Urbanismo e Paisagismo, com ênfase nos processos de transformação da cidade e seus espaços abertos. Esses eixos são complementares para a formação profissional.

A disciplina de Projeto I, da UFSM/CS, desenvolve um trabalho integrado. Os fatores condicionantes envolvidos, os elementos da paisagem urbana, sua estruturação espacial, configuração plástica, bem como a morfologia urbana presente, são dados relevantes e tem o mesmo peso para o desenvolvimento do exercício projetual.

A proposta é integrar e considerar tanto a morfologia urbana adjacente no desenvolvimento do projeto, quanto os espaços livres de edificação no lote e a vegetação arbórea presente com a mesma relevância.  É nesse contexto, que o desenho da paisagem é desenvolvido e as relações estabelecidas entre espaços abertos e edificados.

O objetivo da disciplina é conceber o projeto de um pavilhão de exposições para uso coletivo, explorando a capacidade formal, compositiva, estrutural e de argumentação, de forma que responda às necessidades e aos condicionantes locais. A solução formal desenvolvida deve qualificar o contexto físico, ambiental e social no âmbito da quadra e do entorno, integrando a paisagem. O programa de necessidades, vincula a relevância do projeto dos espaços abertos ao determinar: exposição fechada e exposição aberta e integração das áreas livres de edificação ao projeto. A disciplina é desenvolvida a partir de aulas teóricas, exercícios experimentais e projetuais específicos relacionados entre si, porém, independentes uns dos outros.

O exercício projetual é desenvolvido de forma individual e estrutura-se em três partes: (a) estudos preliminares; (b) partido arquitetônico; e (c) proposta final. A primeira parte consiste no reconhecimento e análise do lugar e do entorno urbano consolidado.  O lote com área de 3.148 m² e oito metros de declividade, se localiza na Rua Moron na cidade de Cachoeira do Sul, às margens do rio Jacuí, local de início da urbanização da cidade.

A área apresenta uma edificação histórica, o IRGA (Instituto Rio-grandense do Arroz), localizada na porção noroeste do lote. O projeto determina uma taxa de ocupação de 50% da área do lote. No total de 1.574 m² são destinados ao projeto de espaços abertos. Um dos pontos chaves do projeto é a integração dos elementos constituintes da paisagem, como a arborização presente no lote, a relação com o rio Jacuí, com o entorno natural e edificado. A Figura 1 apresenta uma imagem aérea da localização do terreno, a massa vegetativa presente e a proximidade com o rio Jacuí.

 Figura 1 – Vista aérea do terreno e entorno imediato, fonte: Google Earth, Reelaborado pelas autorasFigura 1 – Vista aérea do terreno e entorno imediato, fonte: Google Earth, Reelaborado pelas autoras

As principais pré-existências permanentes que devem ser relacionadas ao projeto são: (a) topografia do lote; (b) o entorno urbano; (c) a edificação do IRGA; (d) arborização presente no lote; (e) as visuais para o rio Jacuí; (f) iluminação natural e ventilação. A figura 2 apresenta o lote e as curvas topográficas.

Figura 2 – Terreno do projeto, fonte: Mapa AutoCad. Acervo das autorasFigura 2 – Terreno do projeto, fonte: Mapa AutoCad. Acervo das autoras

 

Na primeira fase de desenvolvimento, os alunos iniciaram o projeto com vários estudos urbanos. Foi realizada uma visita técnica ao terreno para melhor compreensão e sensibilização desses elementos. Na ocasião, registros fotográficos e medições dos gabaritos das vias serviram de embasamento para elaboração de seis mapas de análise do lugar. Foram solicitados os seguintes mapas: (1) mapa mental; (2) de análise da morfologia e massa construída; (3) análise da mobilidade urbana, fluxos e perfil das vias; (4) análise de usos e gabarito de alturas; (5) análise dos aspectos ambientais e naturais; (6) e mapa de análise de materialidade e coloração. Os alunos também realizaram desenhos de vistas e skyline da rua Moron. Os estudos urbanos e da paisagem local presente, estabelecem as diretrizes para a intervenção na área de projeto. A Figura 3 apresenta um dos mapas desenvolvidos na disciplina de Projeto I e uma foto da paisagem onde se encontra o lote. 

 Figura 3 – Mapa de condicionantes físicos e climáticos (a esquerda) e foto do rio Jacuí (a direita), fonte: acervo da disciplina. acervo das autorasFigura 3 – Mapa de condicionantes físicos e climáticos (a esquerda) e foto do rio Jacuí (a direita), fonte: acervo da disciplina. acervo das autoras

A partir desses estudos, foram definidas as diretrizes a serem desenvolvidas no processo de projeto do pavilhão. Uma das questões relevantes era adequar o projeto ao bioclima local, proporcionar acessibilidade ao usuário, valorizar as visuais do rio Jacuí, a materialidade do entorno, criar opções de estar a lazer e, ao mesmo tempo, resolver as necessidades do projeto, integrando a solução proposta ao lugar. A Figura 4, apresenta croquis e uma skyline desenvolvidas pelos alunos após a visita ao terreno.

Figura 4 – Croquis e Skyline da Rua Moron, fonte: acervo das autorasFigura 4 – Croquis e Skyline da Rua Moron, fonte: acervo das autoras

No início do desenvolvimento da segunda etapa, foi realizada uma maquete na escala 1:200 de modelagem da topografia, para o entendimento da declividade de oito metros em direção ao rio Jacuí, conforme demonstrado na skyline da figura 4. Após, as pré-existências arbóreas foram representadas na maquete para um maior entendimento das relações entre as visuais, os condicionantes climáticos e físicos do local. A maquete de estudos teve um papel importante no processo de projeto, pois, no primeiro semestre do curso, os estudantes não têm domínio tridimensional de representação gráfica. A maquete é o instrumento que permite visualização e representação. Desse modo, foram testadas várias hipóteses de implantação e plano de massas, ou seja, a ideia geral foi lançada, validada, testada e aprovada na maquete de estudos. Somente após essa etapa é que os alunos iniciaram a representação tridimensional da proposta final da edificação.

 Figura 5 – Fotografias maquete de estudos e estudo do plano de massas, fonte: acervo da disciplina Figura 5 – Fotografias maquete de estudos e estudo do plano de massas, fonte: acervo da disciplina

Na proposta apresentada na figura 5, a fixação das coberturas foi ideliazada para ser feita por perfis metálicos, através da analogia com a vegetação arbórea presentes no lote. Próximo ao rio, nas curvas de nível 01 e 02, ocorrem as cheias do rio Jacuí e o estudante projetou um mirante em forma de barco, que fica submerso no caso de inundação, realizando uma integração com os vários barcos presentes no local.

A complexidade e a integração da solução proposta, foram possíveis através da utilização da modelagem tridimensional física no processo de projeto. Esse instrumento, permitiu ao aluno relacionar elementos, lugar, visuais, contexto físico, as pré-existências permanentes, gerando uma solução integrada ao lote e ao entorno urbano. O projeto releva os atributos do lugar, contribuindo para sua qualificação na cidade de Cachoeira do Sul, RS.

Figura 6 – Fotografias da maquete de estudos, fonte: acervo da disciplina Figura 6 – Fotografias da maquete de estudos, fonte: acervo da disciplina

Na Figura 6, etapa três, apresenta-se a maquete final da proposta. Nota-se a sensibilidade e a aplicação das diretrizes projetuais no trabalho, a integração com a massa vegetativa, permeabilidade visual e relação com o rio Jacuí. Por tratar-se do primeiro semestre, os alunos ainda estão compreendendo o que é projetar em arquitetura, a importância da leitura do lugar, respeito à escala humana e demais questões que vão sendo compreendidas e amadurecidas ao longo da construção do conhecimento.

Considerações finais

A experiência em sala de aula reafirma que a maquete é um instrumento de visualização das ideias com grande potencial como ferramenta no processo de projeto. Uma vez que materializa as intenções projetuais, segundo uma ótica crítica, permitindo a compreensão e o desenvolvimento das ideias. Durante o processo criativo, são importantes os estudos por meio dos modelos de massa. Permitindo analisar o conjunto da volumetria, composição e o impacto da sua implantação em relação ao entorno e a relação estabelecida com a área aberta.

Assim, a representação tridimensional, é um campo que se encarrega de tornar mais compreensíveis as relações espaciais, os volumes, os materiais, e as cores. Apresentando as características dos espaços idealizados e de um projeto que ainda não existe. Portanto, não são acessíveis pela experiência direta.

O modelo físico como objeto de investigação para os estudantes agrega fundamentos, processos e conhecimentos geralmente fragmentados nas disciplinas. É um instrumento de geração formal, para testar ideias e enriquecer o processo de desenvolvimento, interagindo com as demais linguagens gráficas. Contribuindo também para o desenvolvimento da percepção visual da forma, do espaço, da geometria, proporção e escala, diretamente envolvidos no processo de modelagem.

 A maquete alimenta a reflexão do estudante e é um suporte para o processo criativo em todas as fases de desenvolvimento do projeto. A partir do trabalho apresentado, é possível verificar a integração entre a área construída e a área aberta.  Sendo esse um dos objetivos da disciplina, propostos na origem do problema projetual. O aluno, através da visualização tridimensional, consegue tirar partido tanto da topografia quanto da massa vegetativa pré-existente no lote. Nesse sentido, a maquete física proporciona uma relação obejtiva com a materialidade e a tridimensionalidade.

A partir do trabalho apresentado reafirma-se a importância do papel da maquete física nas três etapas de desenvolvimento acadêmico do projeto: Partido/Anteprojeto/Projeto Final. Esse recurso contribui para a tomada de decisão de uma ideia, seja ela formal, estrutural ou qualquer outra análise atrelada ao projeto, transferindo do plano mental e bidimensional para o tridimensional.

 

Referências

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Ana Elisa Souto

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998). Mestrado em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (PROPAR/UFRGS, 2002). Doutorado em Arquitetura na área de Teoria História e Crítica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROPAR/UFRGS, 2010). Tese: Projeto Arquitetônico e a relação com o lugar nas obras de Paulo Mendes da Rocha 1958-2000. (Orientação: Ph.D. Arq. Edson da Cunha Mahfuz). Trabalhou como professora na UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul (2002-2009). Trabalhou na área de Projetos de Arquitetura no Centro Universitário Univates, Lajeado-RS (2008-2011). Atuou como docente na Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo (2009 - 2011). Professora UFSM/CS desde 23 de maio 2019 na área de Projeto de Arquitetura. Lider do grupo de pesquisa: PROJE_ARQ: Projeto de arquitetura, Processos de Projeto, Operações, Métodos e Instrumentos. Linha de Pesquisa cadastrada no CNPQ e certificada pela Universidade Federal de Santa Maria.  

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Link Currículo Lattes:lattes.cnpq.br/3117656328929082

 

Vanessa De Conto

Professora Substituta do Curso de Arquitetura e Urbanismo - UFSM/Cachoeira do Sul. Arquiteta e Urbanista 2019/1. Mestra em Engenharia de Produção 2017/1. Cientista da Computação - 2009. Integrou, de 2015 a 2017, como pesquisadora bolsista o Núcleo de Inovação e Competitividade - NIC, grupo que compõem o Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção - PPGEP/UFSM, desenvolvendo pesquisas sobre Certificações Ambientais, Habitação de Interesse Social, Sustentabilidade e outras temáticas que tangenciam a Engenharia de Produção e a Arquitetura. Atualmente integra o grupo de pesquisa: PROJE_ARQ: Projeto de arquitetura, Processos de Projeto, Operações, Métodos e Instrumentos. Linha de Pesquisa cadastrada no CNPQ e certificada pela Universidade Federal de Santa Maria.

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Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3386927697326658

Como citar:

SOUTO, Ana Elisa; De Conto, Vanessa. O projeto como objeto de investigação: observações sobre o processo de projeto a partir da maquete física. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 15, volume 01, número 20, e129, p. 1-19, jul./dez., 2020. Disponível em: http://revista5.arquitetonica.com/index.php/uncategorised/o-projeto-como-objeto-de-investigacao-observacoes-sobre-o-processo-de-projeto-a-partir-da-maquete-fisica

 

 

Submetido em: 2020-02-13

Aprovado em: 2020-10-08

 

 

    

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