A criação da marca de móveis corporativos Operis
DANILO FRANCISCO SOARES DE LUCENA
WILSON FLORIO
Resumo
O objeto de estudo deste artigo é a marca Operis, criada pelo designer Norberto Chamma. O objetivo é investigar o processo de projeto do designer a partir da análise sistemática da criação e desenvolvimento desta marca. A pesquisa apoiou-se nos conceitos advindos da Teoria do Geneplore para explicar a geração e a exploração de ideias que caracterizam a criatividade. A intenção é mostrar a gênese e as transformações das ideias ao longo do processo de projeto.
Palavras-chave: Identidade Visual. Criatividade. Cognição.
Abstract
The object of this article is Operis brand, created by designer Norberto Chamma. The goal is to investigate the process of the project designer from the systematic analysis of the creation and development of this brand. The research was supported by the concepts under Geneplore theory to explain the generation and exploration of ideas that characterize creativity. The intention is to show the genesis and transformation of ideas throughout the design process.
Keywords: Visual Identity. Creativity. Cognition.
Resumen
El objeto de estudio de este artículo es la marca Operis, creada por el diseñador Norberto Chamma. El objetivo es investigar el proceso de diseño del diseñador a partir del análisis sistemático de la creación y el desarrollo de esta marca. La investigación se basó en los conceptos derivados de la Teoría del Geneplore para explicar la generación y exploración de ideas que caracterizan la creatividad. La intención es mostrar la génesis y las transformaciones de ideas a lo largo del proceso de diseño.
Palabra clave: Identidad Visual. Creatividad. Cognición.
Introdução
Na atualidade, em um mundo cada vez mais competitivo, a criação da identidade visual se torna extremamente importante. A identidade corporativa, a marca, é a representação visual da personalidade da empresa, sua característica e filosofia.
Para a consultora em branding Alina Wheeler (2009), a competição cria infinitas escolhas. As empresas procuram maneiras de se conectar com os consumidores e criar um relacionamento de longo prazo. As pessoas se afeiçoam, e acabam confiando nas marcas. Não importa o segmento, o modo como a marca é percebida afeta seu sucesso. Como bem afirmou o designer e pesquisador Gilberto Strunck (2007), marcas de sucesso não somente oferecem benefícios funcionais, oferecem também benefícios emocionais que levam a fidelização. Essa experiência é cuidadosamente planejada pelos designers na criação da marca. É quase impossível manter um diferencial tecnológico. Por conseguinte, afirmou Strunck (2007), “[...] em segmentos de mercado com produtos ou serviços com desempenhos relativamente assemelhados e com preços similares, a escolha do que se vai comprar é baseada em valores subjetivos relacionados às marcas”. (STRUNCK, 2007, p.19).
O objeto de estudo deste artigo é o processo de criação da marca Operis, criada pelo arquiteto e designer Norberto Chamma para os móveis corporativos da Empresa Fortline. O objetivo é investigar o processo criativo do designer a partir da análise sistemática da criação e desenvolvimento desta marca. A pesquisa apoiou-se nos conceitos advindos da Teoria da Criatividade chamada Geneplore, proposta por Finke, Ward e Smith, para explicar a geração e a exploração de ideias que caracterizam a criatividade e a cognição em projeto. Consequentemente, a intenção é mostrar a gênese e as transformações das ideias ocorridas ao longo do processo de projeto, quais conhecimentos foram empregados, e, de que modo, podem-se identificar os traços criativos presentes neste processo.
Entre 2013 e 2014 foi realizado o acompanhamento dos projetos do escritório, no qual Norberto Chamma é fundador: a Und Design. Para este fim, durante três meses foram coletados dados e registros gráficos de uma marca criada para uma empresa de móveis corporativos. O desenvolvimento de uma identidade visual foi monitorado semanalmente, com a coleta de todos os artefatos significativos produzidos neste período, inclusive com depoimentos do pesquisado sobre seus projetos. Assim, a fim de identificar traços característicos da criatividade, conhecimentos, informações e dados profissionais foram analisados a partir dos artefatos produzidos pelo designer e sua equipe.
Como bem afirmou Nigel Cross (2001), o estudo das ações de projeto pode iluminar assuntos específicos na teoria do design, particularmente no que concerne ao desenvolvimento de maestria e domínio neste campo de atuação. No Brasil, os estudos sobre o processo criativo pelo viés da psicologia da criatividade e cognição são raros, sobretudo na observação de casos do design gráfico, como a criação e o desenvolvimento de uma identidade visual. Portanto, esta pesquisa contribui para seu campo de atuação.
Criatividade e Cognição em Projeto
A pesquisa foi realizada em três etapas. Na primeira etapa as leituras programadas tiveram a finalidade de extrair e sintetizar os principais conceitos sobre identidade visual, criatividade e cognição. Na segunda etapa, foi empregado o método etnográfico, que consiste em acompanhar as ações realizadas no local de trabalho. Com este fim, foram realizadas visitas semanais ao escritório do designer, que permitiram coletar e observar a criação de uma marca. A fim de explicar o desenvolvimento do processo, e visualizar as transformações das ideias, os registros gráficos coletados foram organizados cronologicamente, estabelecendo uma linha temporal para o entendimento da sequência da criação desta marca. A terceira etapa consistiu na análise destes artefatos e de seus significados, de modo a permitir a reflexão e a discussão sobre o processo de projeto sob o viés da teoria da criatividade e da cognição em projeto.
Para o estudo desta marca, foram também realizadas entrevistas, com relatos pessoais do designer sobre um projeto em andamento no escritório Und Design. A partir destas entrevistas, e dos materiais gentilmente cedidos, foi possível estabelecer os nexos sobre o processo de projeto. Assim, os artefatos coletados (desenhos, fotos, textos etc.), organizados temporalmente, possibilitaram identificar o fio condutor do raciocínio de criação e de desenvolvimento da marca, sobretudo como ocorreram as transformações das ideias ao longo do período desta produção.
As pesquisas em cognição realizadas nas últimas quatro décadas nos permitem afirmar que há pelo menos quatro características gerais no pensamento cotidiano (NEWELL; SIMON, 1972; WEISBERG, 2006): (i) nossos pensamentos são estruturados, ou seja, uma ideia segue a outra (com ou sem relação entre si); (ii) nosso pensamento depende do que aprendemos no passado; (iii) conhecimentos e conceitos adquiridos direcionam nossas ações; (iv) nosso pensamento é sensível ao meio ambiente físico e aos eventos que nele ocorrem (FLORIO; MATEUS, 2011). Como decorrência desses fatos, agimos e reagimos a estímulos internos e externos. Além disso, como o pensamento humano é estruturado, isto é, um pensamento ocorre em decorrência de outro, a realização das conexões internas entre vários aspectos é decorrente dos estímulos recebidos do meio ambiente físico. Como será visto adiante, estas quatro características do pensamento acima citadas foram identificadas durante o processo de projeto que foi monitorado.
Em 1954, Joy Paul Guilford (1954) definiu dois tipos básicos de pensamento: o divergente e o convergente. No primeiro, o sujeito produz diferentes ideias, no segundo o sujeito seleciona e aprofunda uma das ideias para solucionar o problema. O que é interessante notar como nosso pensamento oscila entre o geral e o específico, entre a análise a síntese, ou ainda, entre a geração de diferentes ideias e a exploração individual de cada uma delas.
De acordo com a psicologia da criatividade, é fundamental analisar os conhecimentos e o meio onde o profissional atua, assim como quais suas motivações internas e externas. De acordo com as pesquisadoras Mary Ann Collins e Teresa Amabile (2009), as motivações internas são as mais importantes: desejo de realização, automotivação, satisfação em fazer bem-feito etc. As motivações externas, como a remuneração pelo trabalho, reconhecimento pelos pares e dos colegas é importante, mas não tanto quanto a motivação interna de autossatisfação.
Todd Lubbart (2007) definiu a criatividade como a capacidade de produzir algo que seja inovador e ao mesmo tempo adaptada ao contexto na qual ela se insere. A combinação de ideias conhecidas de um modo inovador é um dos alicerces da criatividade. Neste sentido, procurou-se neste artigo identificar e revelar como o designer conseguiu extrair conhecimentos anteriores, combiná-los e adaptá-los à situação presente de uma criação de uma marca.
Para verificar e identificar certos padrões e aspectos do processo criativo neste estudo de caso, esta pesquisa apoia-se em algumas ações cognitivas presentes no processo de projeto.
Lubbart (2007) apresenta quatro etapas para verificar o processo criativo. A etapa de preparação é aquela onde se inicia uma análise preliminar, uma fase de pesquisa onde se juntam informações que podem definir os problemas que serão enfrentados durante o processo. Nesta fase é preciso conhecimento sobre o problema, educação e trabalho consciente. Na segunda fase, a incubação, as ideias se acumulam, e o cérebro continua silenciosamente a trabalhar de maneira inconsciente, criando conexões e associações.
Quando estas ideias promissoras passam para o plano consciente, Lubbart chama da fase de iluminação (ou insight). Na fase final, de verificação, realiza-se o trabalho consciente para avaliar, definir e desenvolver as ideias.
Uma das referências teóricas empregadas nesta pesquisa é o modelo Geneplore, desenvolvido por Finke, Ward e Smith (1992). Este modelo é dividido em duas partes: a geração de ideias e a exploração delas.
Na fase de geração de ideias, quanto mais experiente for o indivíduo naquilo que ele faz, mais ideias ele será capaz de gerar. A partir das ideias geradas, inicia-se o momento exploratório, ou seja, testar e desenvolver cada ideia gerada. Se pelo menos uma ideia desenvolvida obtiver resultados considerados satisfatórios, o projeto será concluído; caso contrário, volta-se para a fase gerativa e continua-se a gerar novas ideias para serem exploradas em novo ciclo. Neste contexto, o que nos chama atenção é o modo como as pessoas criativas geram e sustentam novas ideias.
QUADRO 1 | ||||
Processo Gerativo | Estrutura Pré-inventiva | Propriedades Pré-inventivas | Processo Exploratório | Restrições do produto |
Recuperação | Padrões Visuais | Novidades | Descoberta de atributos | Tipo do produto |
Associação | Formas de objeto | Ambiguidade | Interpretação conceitual | Categoria |
Síntese | Misturas mentais | Significado | Inferência funcional | Características |
Transformação | Categoria de exemplares | Emergência | Mudança contextual | Funções |
Transferência Analógica | Modelos Mentais | Incongruência | Teste de hipóteses | Componentes |
Redução categórica | Combinações verbais | Divergência | Procura por limitações | Recursos |
Quadro 1: Exemplos do processo cognitivo, estruturas, propriedades e restrições do modelo Geneplore. Fonte: Finke, Ward e Smith, 1992. Adaptado pelos autores.
No Quadro 1, pode-se notar processos gerativos e suas propriedades. Os seis processos gerativos são utilizados em diferentes situações de projeto. No presente estudo, foi possível identificar que o designer Norberto Chamma recupera informações e conhecimentos da memória, de modo a estabelecer associações entre elas. Como será visto adiante, além da síntese e transformação, notou-se que ele reestrutura e extrai conceitos de outros projetos já armazenados na memória. Nesta fase, percebe-se a predominância de processos que impulsionam a produção de ideias, como a transferência analógica e redução categórica.
Análise do Projeto Criativo da Marca Operis
Após a aliança entre a empresa Fortline com outras duas empresas de produtos complementares (Fig. 1a), a ideia era criar uma nova marca de móveis. Neste projeto de identidade visual para uma nova marca de móveis, o desafio foi reestruturar as empresas já existentes que pretendiam mudar o segmento de vendas de móveis a varejo para móveis corporativos de grande qualidade e alto custo. Assim, as três empresas comercializariam estes novos móveis corporativos.
Pelo fato de estarem mudando de segmento, e não ter a possibilidade de serem confundidas com o que comercializavam no passado, seria necessário produzir novas identidades para estas empresas. Para alcançar este objetivo, o projeto teve que conciliar a criação de novas marcas, administradas pela empresa Fortline, com os produtos já comercializados pela outra empresa, Aresline. Na figura 1, abaixo, é possível visualizar o organograma sobre a composição das empresas envolvidas.
Para configurar a imagem resultante da fusão entre as empresas, Fortline tornou-se a marca institucional (Fig. 1b), enquanto a nova marca Operis voltou-se para os móveis corporativos (Fig.1c). A InWall tornou-se nova marca de Divisórias, enquanto a Aresline continuaria como a marca de móveis de design tecnológico italiano. Por fim, a mov3 tornou-se a nova marca da comercializadora.
A fim de observarmos a sequência de ideias desenvolvidas por Norberto Chamma, na presente pesquisa analisaremos sistematicamente as transformações ocorridas na criação da marca Operis. Para atingir esta meta, a partir de entrevistas concedidas em abril de 2013, foram coletados depoimentos e artefatos produzidos pelo pesquisado. Contudo, é importante destacar que esta Marca também foi escolhida pela relativa facilidade com que se pode acompanhar os “rastros” das ideias de Norberto nos depoimentos e no material coletado.
Durante as duas primeiras semanas do início do projeto Chamma pesquisou incessantemente. Contudo, segundo ele, a pesquisa não parou, continuando ao longo de todo o projeto, sempre com objetivo de obter melhorias a partir de novas descobertas. Em depoimento, Norberto Chamma afirmou que nada se cria do nada: “Você já deve estar pensando naquilo há algum tempo, estar imerso naquele projeto” (CHAMMA, 2013). A partir deste ponto de imersão no processo criativo, ele afirmou que precisa desenhar e escrever: “Vou construindo o trabalho aos poucos, em cima disso. Minha memória é bem visual, eu preciso ver parte daquilo que estou pensando desenhando ou escrevendo, para dali continuar meu pensamento.” (CHAMMA, 2013).
A geração de ideias, de modo visual, é característica da área de design (NOBLE; BESTLEY, 2005). Os registros gráficos produzidos pelo designer permitem acompanhar um pouco o seu pensamento visual. Este relato confirma o que o pesquisador sobre criatividade Robert Weisberg (2009): a prática intensa, advinda de uma imersão no trabalho, gera contribuições significativas, que pode levar à criatividade.
Para desenvolver o nome das empresas de mobiliários, Norberto recorreu muitas vezes ao dicionário, e nele navegou pelas etimologias e palavras relacionadas. Assim, foi pesquisando os significados de algumas palavras – como mesa, cadeira e madeira – que ele chegou na palavra inglesa “work”, e viu uma conexão com a palavra, em latim Opus, e Operis, que, resumindo, significa trabalho.
É perceptível a constante busca de novos conceitos para a marca. Norberto está sempre procurando subverter a imagem da marca que está criando. A criatividade está justamente na exploração de ideias existentes para gerar ideias novas. Como afirmou Lorenzo Imbesi (2012), a criatividade consiste na capacidade de capturar o relacionamento entre ideias existentes, e produzir novas combinações para outros fins.
Em suas pesquisas, o designer Norberto Chamma (cujo apelido é Lelé) notou que no ramo de atuação de mobiliários corporativos as empresas sempre passam uma noção de solidão, em altas torres de vidro, com escritórios minimalistas vazios e sem pessoas (Fig. 2). Esta percepção sobre o cenário, transmitida pela pesquisa, permitiu um diferencial a ser explorado.
Percebendo esta carência de pessoas e a falta de humanidade, Lelé resolveu seguir pelo caminho contrário. Durante a madrugada em sua casa, enquanto descansava, ao folhear revistas de decoração Lelé viu que algumas linhas de mobiliário já tentavam inserir um ambiente com pessoas, um ambiente mais cotidiano. Isto contribuiu para o desenvolvimento da marca (Fig. 3 à direita).
Sabe-se que quando a mente criativa está envolvida em alguma atividade que se gosta, o trabalho torna-se prazeroso (CSIKCSZENTMIHALYI, 1996). A tendência é levar conosco aquelas questões a serem solucionadas, ou seja, nossa mente criativa não descansa diante de um desafio. Mesmo em momentos de relaxamento tenta-se fazer conexões com os problemas que estamos trabalhando. Contudo, segundo o psicólogo e reconhecido pesquisador sobre criatividade, Mihaly Csikcszentmihalyi (1996), a mente criativa gera novas ideias criativas, o chamado insight, enquanto se está praticando alguma atividade descontraída ou em momentos de relaxamento.
Após o almoço, passeando pelas ruas nos arredores da av. paulista em São Paulo, onde mora e trabalha, Norberto Chamma encontrava-se distraído, pensando na criação da marca. No trajeto, foi à banca de jornal e, por acaso, viu uma revista de móveis e decoração exposta. Neste momento Lelé encontrou aquilo que faltava para completar o conceito que procurava: tirou fotos da capa da revista e a comprou (Fig. 3). Esta situação é aquilo que os psicólogos da criatividade chamam de insight.
Certamente o olhar de Norberto não se encontrava descompromissado. Por ser um olhar experiente, carrega consigo esquemas mentais e conhecimentos que constituem seu repertório. Além disso, sua expertise, decorrente de seus quase quarenta anos de carreira, o fez olhar para aquele objeto, e estabelecer relações com aquilo que o estava preocupando. O designer não viu apenas uma poltrona, percebeu a chave para a criação da marca, e o universo de possibilidades sobre o que poderia fazer. De fato, como bem afirmou Robert Sternberg (2007), não se pode pensar criativamente a menos que se tenha conhecimento sobre o assunto.
Sabendo o que pretendia, foi possível notar que o designer refinou suas pesquisas e, como é possível notar na figura 4, desenhou uma forma orgânica baseada nas formas de assentos clássicos, contendo nela todos os conceitos formulados para a marca Operis.
Os processos gerativos de Finke, Ward e Smith (1992) (Quadro 1) podem ser plenamente identificados neste exemplo. Ao lembrar algo que fez no passado (recuperação), e a partir daquilo que observou no presente, o designer automaticamente estabeleceu associações. Nesse processo, também foram identificadas sínteses e transformações, pois a cadeira que ele viu na revista na banca de jornal foi sintetizada e transformada em uma marca. Após estabelecer analogias entre a forma da cadeira e a marca, e, após ao chegar ao seu escritório, o designer desenhou formas orgânicas (Fig. 4 e 5a), representando assim o resultado de todas as suas ações cognitivas gerativas. O resultado foi a geração de combinações mentais que culminaram em novos padrões visuais.
Como é possível notar, gerar diversas ideias, com maior facilidade, é o que difere o profissional experiente do novato. O profissional com expertise é capaz de produzir e explorar maior número de ideias. Finke, Ward e Smith (1992) demostraram em suas pesquisas que o processo de geração de ideias é a base da criação. No caso de projeto de identidade visual, as marcas normalmente são desenvolvidas experimentalmente. Os percursos que dão origem aos modelos de cada marca, chamadas na Und Design de “tendências”, são apresentados para o cliente e submetidos à sua aprovação. A forma orgânica da figura 6a foi desenvolvida para atender aos conceitos esperados, dando origem à primeira tendência da marca.
É interessante notar como a forma orgânica do assento foi utilizada e sintetizada em um modelo único e orgânico. Nota-se como esta forma foi explorada de diversas maneiras para representar diferentes conceitos sobre a marca. Consequentemente essa forma foi utilizada para criar a primeira tendência da marca (Fig. 5b).
Aproveitando a organicidade do símbolo encontrado na primeira tendência, Lelé continuou a experimentar novas formas de organizações. Sua tentativa o levou a testar linhas e contornos. Ele estabeleceu relações afetivas com a marca. Neste caso, Chamma colocou linhas curvas como representação de humanidade e conectividade. Na figura 6 é possível acompanhar sucessivas etapas da transformação desta ideia. Primeiramente, ele experimentou diferentes contornos e linhas do símbolo da tendência um. A seguir, Norberto passou a identificar e desenvolver padrões no símbolo, resultando a forma de estrela.
É importante destacar que em projetos similares a este, consciente ou inconscientemente, Norberto recupera de seu repertório conhecimentos armazenados de experiências passadas para aplicar em seus novos projetos. Finke, Ward e Smith (1992) caracterizam este tipo de habilidade cognitiva como transferência analógica, onde se retoma uma estrutura previamente conhecida e a insere em outra situação.
Norberto Chama (2013) revelou que procurou em seu computador um desenho de estrela que ele havia produzido anteriormente. A partir daí reutilizou esta referência, como podemos ver na primeira imagem à esquerda da figura 7a. Como já foi apontado, recuperar conhecimentos da memória é uma importante ação cognitiva observada na atuação do designer, que se deve graças ao fato de ter acumulado amplo repertório a partir de sua experiência.
Outra fonte referencial para a criação da marca foi buscada pelo designer na natureza. Em um momento distraído, enquanto “fumava um cigarro”, ele lembrou da estética das patas da lagartixa (Fig.7b).
Desta estrela [...] eu aprimorei com cinco pontas, em vez de quatro, aliada à ideia inicial de um asterisco [...] Quando me ocorreu de realizar a forma dela como patas de lagartixa, de onde puxei imagens e daí consegui tirar a forma que desejava. (CHAMMA, 2013)
Portanto pode-se perceber que há aqui uma transferência analógica entre a geometria do corpo animal e a marca. A organicidade que Norberto buscava para a marca estava na própria natureza que ele uma vez observou. Quando ele examinou, percebeu qualidades na pata da lagartixa que se aplicava ao conceito que estava em sua mente.
Na figura 8 pode-se observar a sequência de transformações das formas. A geometria inicial foi sendo lapidada, demandando muitas horas de trabalho. A partir deste refinamento (outro processo cognitivo), nota-se que a forma ganhou maior organicidade, formando novos padrões visuais.
Outros conceitos que Norberto acrescentou foram a atitude, o afeto e humanidade. Para isso, fez alusão a curvas e formas orgânicas como “corpos”, e aproveitando as formas da estrela como ícone (Fig. 9a). Assim, a estrela representa a relação entre a forma do corpo humano e sua transferência para a marca. Nesta conciliação entre conceitos, o designer se auto justifica esclarecendo o porquê daquela marca, encontrando argumentos a partir da releitura do corpo humano, da pata da lagarta e da estrela. Logo se percebe que na fase exploratória do Geneplore (Quadro 1), o designer descobre atributos, testa hipóteses e faz inferências funcionais para a obtenção da marca.
Como resultado, obtém-se a tendência 2 (Fig. 9b). Sobre ela, Norberto (2013) afirma: “Para chegar nesse símbolo foi muito interessante, porque eu penso nesta estrela há quarenta, cinquenta anos [...] eu desenho ela e penso neste tipo de forma, então esse projeto meio que já estava pronto”.
De fato, o designer consegue recuperar uma situação de criação de uma marca que havia produzido no passado, associa com outros elementos também armazenados na memória (estrelas, animais) e transfere tudo isso para o contexto projetual presente (transferência analógica). Observa-se também a redução categórica, ou seja, a redução de elementos e objetos em descrições mais primitivas e sintéticas.
A marca obtida (Figura 9b) continua a ser explorada. Norberto realiza sucessivas transformações, buscando a geração de novos significados para as qualidades principais que quer transmitir pela marca. Na figura 10, pode-se acompanhar as hipóteses testadas e as inferências conceituais apontadas por Finke, Ward e Smith. Estes registros gráficos mostram o encadeamento do pensamento, as conexões e transformações da ideia: o círculo, a conectividade, organicidade, o átomo, células, a humanidade e o cíclico. Estas referências naturais e a infinitude cíclica conduzem Norberto aos retângulos áureos e a sequência de Fibonacci. Como consequência disso, o conceito de uma espiral cíclica, que se transforma continuamente, é explorado, por uma forma simplificada: a sequência de Fibonacci (Fig. 11a).
A sequência Fibonacci (Fig. 11a) permite estabelecer a proporção, o ritmo e a harmonia entre as partes. Nestas tendências que se seguiram, Norberto chega à “espiral” de Fibonacci. As transformações desta ideia podem ser acompanhadas pelas figuras a seguir.
O rigor geométrico destes estudos mostra como o conceito de infinitude e de conexão entre partes, para formar um todo harmônico, foram continuamente trabalhados. O emprego de cores análogas e complementares, e a sucessão de quadrados dentro do retângulo áureo, revelam, com maior nitidez, as partes entre si, mas operam dentro de uma relação de harmonia. Por outro lado, o texto “operis” oscila, dentro e fora dos quadrados, e, também, na posição horizontal ou na vertical (Fig. 11b). Consequentemente, o designer obtém, como resultado deste processo, a terceira alternativa, ou tendência (Fig. 12).
É nítida a preocupação em estabelecer uma marca com economia de recursos gráficos, mas de grande força visual. Concisão e precisão são expressas apenas por uma forma quadrada, com ou sem cor, que reforça ou não a geometria da sequência Fibonacci. O resultado destas transformações (Fig. 13, abaixo à direita) é a produção da quarta tendência.
Consequentemente obteve-se o conjunto das quatro tendências (Fig. 14), que puderam ser comparadas entre si. É interessante notar como as alternativas (ou tendências, como prefere o designer) para a mesma marca foram derivadas a partir de diferentes conceitos, mas que contêm uma íntima relação entre si. Assim, a criação da marca está repleta de preocupações e de conceitos que subjazem àquilo que se deseja para a imagem pública da empresa.
Considerações Finais
A análise sistemática desta pesquisa nos mostra que, para que o indivíduo seja criativo, é necessário alcançar um conjunto de fatores, de atributos e características que contribuam para desenvolver e estimular a criatividade. O processo criativo não é linear como aquele apresentado por Lubart. A fase de iluminação não ocorre apenas por insight (FLORIO, 2011). Neste estudo de caso, percebeu-se que há vários momentos que fizeram surgir novas ideias. O processo criativo depende de uma profunda imersão sobre o fazer, e não apenas de momentos “eureka”. A criatividade pode emergir após um árduo e intenso trabalho. Os sucessivos registros gráficos fizeram com que a marca fosse sendo repensada a cada momento.
Ao gerar diferentes ideias, o designer Norberto Chamma não se prendeu a ideias fixas. O profissional experiente sabe que é prematuro escolher sem antes testar diferentes hipóteses. Quando o designer abre várias possibilidades, ele propicia a comparação e a seleção daquela considerada a mais promissora em cada momento do processo. Na marca analisada nesta pesquisa, foi possível identificar como Chamma gerou e explorou ideias, de modo a escolher as mais apropriadas para cada situação. Esta oscilação entre o pensamento divergente e o convergente demonstrou sua capacidade de análise, sobretudo para gerar diferentes ideias, assim como de síntese, tornando possível o discernimento de qual ideia seria a mais promissora para a solução do problema enfrentado.
Esta pesquisa etnográfica possibilitou a identificação das ações situadas durante o processo de criação. Além disso, constatou-se a presença das quatro características gerais no pensamento cotidiano, apontados anteriormente: (i) os pensamentos do designer são estruturados; (ii) seu pensamento recupera aquilo que ele aprendeu no passado; (iii) seus conhecimentos e conceitos adquiridos ao longo de sua carreira direcionam suas ações; (iv) seu pensamento é sensível ao meio ambiente físico e aos eventos que nele ocorrem.
O monitoramento da criação desta marca nos permite afirmar que o designer Norberto Chamma apresenta uma grande capacidade de recuperação de ideias do passado, mas também de geração, exploração e manipulação de conhecimentos e ideias para a criação de novas marcas no presente. As conexões e analogias, identificadas neste estudo de caso, demonstram o pensamento visual atento, a expertise do designer e sua capacidade criativa. A identidade visual para a marca Operis só foi possível porque o designer manteve-se flexível às mudanças, teve capacidade de revisitar algo conhecido, mas disposição para reinterpretar e transformar este conhecimento em algo novo.
Por fim, pode-se afirmar que, potencialmente, todo indivíduo pode se tornar criativo. Porém devem-se alcançar pelo menos cinco condições básicas: i. fazer uma imersão no trabalho; ii. formar amplo repertório de soluções; iii. assumir riscos e enfrentar obstáculos; iv. ter profunda motivação intrínseca e amor pelo que se faz; v. desenvolver a capacidade crítica de refletir sobre o que é produzido a cada momento. Conhecimentos, experiências e habilidades são fundamentais, mas também ter atitudes para enfrentar e se posicionar diante de algo ainda desconhecido.
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Minicurrículos:
DANILO FRANCISCO SOARES DE LUCENA
Mestre em Artes Visuais pela Universidade de Campinas, especialista pela Aula CM de Madri em criação de conteúdo para internet, gerenciamento de comunidades e redes sociais.
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Link para Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3265266863881033
WILSON FLORIO
Professor Adjunto Permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Professor Adjunto do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas. Ex-Coordenador do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie. Coordenador de Projeto de Internacionalização "Cidade, Projeto e Equidade".
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Como citar:
LUCENA, Danilo Francisco Soares de; FLORIO, Wilson. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 15, v. 01, n.19, e122, p. 1-21, jun./jun/2020. Disponível em: http://revista5.arquitetonica.com/index.php/uncategorised/a-criacao-da-marca-de-moveis-corporativos-operis
Submetido em: 2019-11-06
Aprovado em: 2020-04-22
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