Escada de Lina Bo

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EDITE GALOTE CARRANZA

“D. Lina foi quem mais profundamente viu a força do aspecto da criatividade popular do Nordeste.

Ela tematizou a força da cultura popular da região e, dizia muito claramente,

não como folclore, não como documentação de um estilo exótico, divertido ou curioso,

mas como verdadeira força cultural.”

Caetano Veloso

Dona Lina, como era carinhosamente chamada pelos baianos, esteve em Salvador a convite do arquiteto Diógenes Rebouças, para lecionar na Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia. Nos cinco anos em que esteve “entre os brancos”, a arquiteta atuou como professora e cumpriu o papel de uma verdadeira agitadora cultural: colaborou com o Diário de Notícias publicando regularmente suas crônicas, foi fundadora e diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia, onde montou exposições e peças de teatro e criou o Museu de Arte Popular – MAP.

 
 
Escada do Unhão, detalhe. Foto: Edite Galote CarranzaEscada do Unhão, detalhe. Foto: Edite Galote Carranza
 
 
 
MAP, Salvador, 2002.MAP, Salvador, 2002.

 

O MAP foi idealizado pela arquiteta como um “Museu de Arte Popular e não de Folclore” e seria um “Museu de ‘Arte’ como ‘Artes’,  isto é, o ‘fazer’, os ‘fatos’, os acontecimentos do cotidiano”. Com suas exposições e oficinas, o MAP cumpriria o papel de resgatar e valorizar a verdadeira cultura popular nordestina, elevando a categoria de arte: ex-votos, gamelas, moringas, pilões entre outras peças. A proposta  segue as ideias e ideais da arquiteta, que acreditava encontrar na cultura do povo “a força necessária ao desenvolvimento de uma nova e verdadeira cultura” e que entendia a historia “como herança e continuidade”; assim, está em consonância com as demais realizações da arquiteta, que seguem o conceito  nacional-popular gramsciano ao qual Dona Lina era tributária. Para instalação do MAP, Dona Lina reciclou o Solar do Unhão, um tradicional engenho de açúcar com casa-grande, capela e senzala, do século XVI, tombado em 1943, pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O restauro iniciado em 1958, além de valorizar o patrimônio e incorporar as diversas intervenções sofridas pelo conjunto no decorrer dos séculos, trouxe novos elementos que se harmonizam aos preexistentes, como o detalhe da escada de madeira.

 

Elevação da escada Desenho: Edite Galote CarranzaElevação da escada Desenho: Edite Galote Carranza

 

Detalhe do degrau. Desenho: Edite Galote CarranzaDetalhe do degrau. Desenho: Edite Galote Carranza

 

Escada : plantas Desenho: Edite Galote CarranzaEscada : plantas Desenho: Edite Galote Carranza

 

Diferentemente de um simples elemento utilitário para interligar pavimentos, a escada helicoidal é escultórica e materializa tanto o conceito do MAP, quanto a teoria de restauro da arquiteta, que evitava distinguir ou hierarquizar “parte histórica e parte moderna”. Inscrita num retângulo de 410 x 470 cm, delimitado por quatro pilares de madeira de lei, de 30 x 30 cm, da estrutura original da edificação,  a escada foi construída com uma coluna central de madeira bruta pau-d’arco, de 40cm de diâmetro, vigas periféricas de 10 x 35 cm, fixas aos pilares originais com parafusos, pisos de madeira ipê-amarelo, de 7cm de espessura, bi apoiados, de um lado sobre consoles fixos à coluna central e do outro se solidarizam à viga periférica mediante encaixe em sulco de 60 x 8 cm e travamento com cavilhas tipo chaveta, de cerca de 13cm. Tal solução de encaixes e cavilhas, teria sido inspirada na técnica de construção de carros de bois,

em especial a canga – peça de madeira curvilínea que se apoia sobre os pescoços dos animais para prender a junta de bois ao cambão do Carro. Dona Lina, ao valorizar a centenária técnica construtiva, criou uma escada sincrética edificando uma ponte segura entre dois mundos: erudito e popular.

FICHA TÉCNICA

Museu de Arte Popular, Salvador, BA, 1959.

Projeto e construção: Arquiteta Lina Bo Bardi

 

    Edite Galote Carranza
    é mestre pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie em 2004; doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 2013 com a tese “Arquitetura Alternativa: 1956-1979”; foi diretora do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica Ltda, editora-chefe da revista eletrônica 5% arquitetura + arte ISSN 1808-1142. Publicações em revistas especializadas, livros Escalas de Representação em Arquitetura, Detalhes Construtivos de Arquitetura e O quartinho invisível: escovando a história da arquitetura paulista a contrapelo. foi Professora da graduação e pós-graduação em arquitetura e urbanismo.

     

    REFERÊNCIAS

    BO BARDI, Lina. Cinco Anos entre os Brancos, Mirante das Artes&Etc, São Paulo, nov. dez. de 1967.

    ____________. A escada. Revista Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n.11, abr.-maio, p.25-27, 1987.

    ____________. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: coord. Marcelo Suzuki, Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, 1994.

    ____________. Contribuição Propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, 2002.

    ____________. Lina Bo Bardi. coord. Marcelo Carvalho Ferraz, 3ª. Ed.. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.

    ____________.  Lina por escrito – Textos escolhidos de Lina Bo Bardi. org. Silvana Rubino e Marina Grinover, São Paulo: Cosac Naify, 2009.

    CARRANZA, Edite Galote. Arquitetura alternativa:1956-1979. Tese de Doutorado em Arquitetura, FAUUSP, São Paulo, 2012.

    ____________.Casa Valéria Cirell e o nacional-popular, Revista Pós, São Paulo: FAUUSP, v 21, n.35, jun. 2014.

    ____________. Capela Santa Maria dos Anjos: alpendre nacional-popular, Revista AU,n. 249, dez. p. 62-63, 2014.

    OLIVEIRA, Olivia de. Lina Bo Bardi. Sutis Substâncias da Arquitetura. São Paulo: Romano Guerra, 2006.

    ZOLLINGER, Carla Brandão. O trapiche à beira da baía: a restauração do Unhão por Lina Bo Bardi. 7º. Seminário Do.co.mo.mo, Porto Alegre, out. 2007.

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