DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: TÉCNICAS TRADICIONAIS E INOVAÇÕES CONTEMPORÂNEAS NA ARQUITETURA VERNACULAR EM JERICOACOARA-CE

Categoria: Ciências sociais aplicadas: Arquitetura Imprimir Email

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O desafio de planejar e construir de modo sustentável é tanto mais problemático quanto mais se trata de fazê-lo em áreas pouco desenvolvidas e com um ecossistema frágil, como aquelas de regiões como a amazônica, a zona da mata atlântica, as regiões do semiárido, (em que se situa o caso do povoado de Jericoacoara, CE em estudo). Buscando compreender essas possibilidades de ocupar ecossistemas frágeis que se estuda o caso desse povoado. Como manter o equilíbrio do ecossistema e vivenciar um desenvolvimento sustentável?

Contribuir para um desenvolvimento sustentável significa atuar de tal forma frente ao uso dos recursos naturais hoje, de modo que não impeça que as gerações futuras possam recorrer a essa mesma fonte de recursos: o planeta em que se vive. (MMA, 2000, p.17).

Assim é que para contribuir para esse desenvolvimento sustentável é preciso que a comunidade local esteja consciente dos perigos gerados pela insustentabilidade local e que atue em seu cotidiano de modo a manter o equilíbrio do meio ambiente, principalmente em regiões típicas pela fragilidade ambiental, destacando-se o cuidado com os recursos ambientais. (PHILIPPI JR; ROMÉRO; BRUNA; 2004). Este é o caso do povoado de Jericoacoara, CE, situado à cerca de 300 km de Fortaleza, capital do estado do Ceará [fig.1].

É que o elemento humano é um agente essencialmente transformador da natureza e está continuamente intervindo no ambiente, seja natural, seja construído. Ora, como cuidar para que essa ação antrópica não devaste as riquezas não-renováveis e não gere reações em cadeia que acabem por transformar extensas regiões em passivos ambientais?

Em uma área predominantemente de recursos naturais, não é possível, pois, permitir que um povoado cresça e ao se expandir acabe substituindo os recursos naturais por outros de novas tecnologias e, consequentemente, consuma aceleradamente esses recursos não-renováveis.

É preciso, portanto, conhecer amplamente a área para então entender como é que pode ocorrer a ocupação humana, e em que grau de concentração, para poder propor formas de controle e monitoramento contínuo da situação de equilíbrio entre essa ocupação e a biodiversidade que precisa ser preservada.

Essa biodiversidade que consiste na variedade de tipos de vida – fauna, flora e microrganismos – cada qual desempenhando uma função específica no ecossistema a que pertence. Pode-se entender assim que, como uma das propriedades da natureza, a biodiversidade é responsável pelo equilíbrio dos ecossistemas. Forma também um grande potencial econômico. (DIAS, 2002).

A biodiversidade desempenha algumas funções ecológicas, o que ainda é pouco compreendido. Tem especial responsabilidade nos processos naturais e produtos advindos dos ecossistemas. (DIAS, 2002). Por isto é que se destaca sua grande influência na dinâmica do Meio ambiente, sendo fundamental para a qualidade ambiental.

PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

Num primeiro enfoque a preservação ambiental diz respeito à conservação do ambiente natural em estado de equilíbrio ecológico. Em outras palavras, a área preservada deve estar livre das pressões destrutivas da tecnologia usada em processos de crescimento econômico desordenado (FERRARI, 2004). No entanto, em termos de recursos naturais a preservação “é um conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo, das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais. [i]

Vale dizer também, livre das pressões antrópicas. Por isto é que em muitas unidades de conservação a presença humana é proibida. (MACHADO, 2002). Outras, no entanto, constituem um grupo de unidades de uso sustentável, (art. 14, Lei 9.985/00), formado pelas seguintes categorias de unidades: I- Área de Proteção ambiental; II- Área de Relevante Interesse Ecológico; II- Floresta Nacional; IV- Reserva Extrativista; V- Reserva de Fauna; VI- Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e VII- Reserva Particular do Patrimônio Natural.

E na primeira destas categorias – Área de Proteção ambiental – é que se inseriu, primeiramente, o caso de Jericoacoara, em estudo, de 1984 até 2002. Como APA é em geral uma área “extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais” (Art. 15, Lei 9.985/00).

A partir de 2002, a área foi transformada em Parque Nacional de Jericoacoara, passando, assim, a pertencer ao grupo de “Unidade de Proteção Integral” formado pelas seguintes categorias de unidades de conservação:  I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV - Monumento Natural - Refúgio de Vida Silvestre (art. 08, Lei 9.985/00).

Como Parque Nacional, a área tem como “objetivo básico a preservação de ecossistemas de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico” (art. 11, Lei 9.985/00).

Atualmente, o IBAMA mantém uma unidade permanente no vilarejo, responsável pelo controle e de fiscalização do Parque. Hoje trabalham na demarcação e na elaboração do Plano de Manejo do Parque Nacional de Jericoacoara, trabalhos que serão concluídos dentro de aproximadamente oito meses.[ii]

 ANÁLISE LOCAL

“Não há nas minhas obras outra intenção que não seja a de abrigar e refletir a natureza humana e não humana do Brasil.” José Zanine Caldas [iii]

JERICOACOARA é em sua origem uma vila de pescadores.  Está situada a 21km da sede do município Gijoca de Jericoacoara e a cerca de 300Km de Fortaleza, Capital do Ceará, no Nordeste do Brasil [fig. 1].

 

 

Figura 1- Mapa do Estado do Ceará. Desenho: Arquiteta Carolina P. Scchelli, 2004.Figura 1- Mapa do Estado do Ceará. Desenho: Arquiteta Carolina P. Scchelli, 2004.

 

A área do Parque é de cerca de 200 km2, tendo como limite leste a Praia do Preá, oeste a Vila do Guriú, norte o Oceano Atlântico e sul o Vilarejo de Lagoa Grande [fig.2].

Figura 2 -  Mapa do Parque Nacional de Jericoacoara. Desenho: Arquiteta Carolina P. Sacchelli, 2004.Figura 2 - Mapa do Parque Nacional de Jericoacoara. Desenho: Arquiteta Carolina P. Sacchelli, 2004.
 

Os limites do Parque delimitam 10 km de distância a partir de Jericoacoara, e nele estão incluídos os mais diversos cenários: dunas gigantescas, lagoas de água cristalina, manguezais, coqueirais, praias de enseada com mar calmo, praias de oceano com ondas, praias rochosas, cavernas, etc. 

Geograficamente Jericoacoara - palavra indígena que significa “jacaré quarando ao sol” – é uma enseada que está naturalmente protegida por uma “cordilheira de dunas”, o que por muito tempo dificultou o acesso de exploradores. Têm-se notícias apenas de visitas esporádicas realizadas por aventureiros vindos por mar, com destino ao Maranhão, que lá aportaram desde século XVII. Mas, a partir da década de 1970, por sua beleza natural, Jericoacoara começou a atrair o turismo. Foi classificada como uma das dez praias mais belas do mundo [The Washington Post, 1994] ampliando sua visibilidade internacional. Houve assim um impacto observado com a proliferação de comércio, restaurantes e pousadas. A estratégia de preservação de Jericoacora, além da APA, é sua localização e infraestrutura. Seu acesso se faz a partir de Fortaleza, o que significa uma viagem de ônibus de cerca de seis horas. Após uma parada no município de Gijoca de Jericoacoara, inicia-se a segunda parte da viagem em uma “jardineira”, um veículo adaptado com bancos de madeira e completamente aberto. Esta segunda etapa dura cerca de 90 minutos. Quanto à infra-estrutura, Jericoacoara depende, em grande parte do comércio de Gijoca ou de Fortaleza.

O povoado de Jericoacoara possui sistema viário sem pavimentação, contando com algumas calçadas pavimentadas na área comercial. Os meios de transporte contam apenas com Jardineiras com tração nas quatro rodas. É proibida a construção de estradas, o gabarito é restrito a construções térreas ou sobrados, e toda a rede elétrica é subterrânea. Como parte do programa de preservação ambiental está sendo construída uma usina de reciclagem de lixo. Possui sistema de esgoto, e a água encanada é escassa, portanto, as caixas d’água são torres de pedra superdimensionadas.

O lugar não possui um sistema de comunicação visual, mesmo as ruas não possuem denominação formal. A identificação é feita através de caracterizações como Rua do Forró, Rua da Igreja, Rua das Dunas. As informações ficam restritas ao comércio através de pinturas, tabuletas ou placas.

TÉCNICAS CONSTRUTIVAS

 

Figura 3 - Muros com elementos cerâmicos empilhados: Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 3 - Muros com elementos cerâmicos empilhados: Foto: Ricardo Carranza, 2000.

Figura 4 - Casas geminadas, lotes delimitados por latada (cerca de varas de madeira. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 4 - Casas geminadas, lotes delimitados por latada (cerca de varas de madeira. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 A ocupação se faz através de residências, pousadas, lojas, restaurantes, uma igreja e serviços públicos – correio, IBMA, posto telefônico e concessionária de energia. O adensamento acompanha uma “avenida principal” onde se localiza o maior número de lojas e restaurantes. Os lotes não são amurados, mas algumas residências fazem uso de uma cerca de varas de madeira como limite[fig.4]. Algumas raras residências utilizam como demarcação de lote o emprego de blocos cerâmicos empilhados, sem uso de argamassa [fig.3]. Em ambos os casos são soluções que preservam a ventilação. Observamos poucas construções geminadas. O uso da cor é restrito, mas observamos alguns exemplos do uso do verde e ocre avermelhado.

A preocupação com o conforto termoacústico dos ambientes é especialmente notável nos edifícios comerciais. Ao clima litorâneo correspondem dias e noites quentes e alto teor de umidade. Portanto, é interessante que os materiais empregados tenham baixa inércia, isto é, que não armazenem calor, pois a energia se desprenderia à noite, em função da mudança de gradiente térmico, tornando o ambiente muito quente.

  Figura 5 - Cobertura com folhas de carnaúba, ventilação permanente mediante muxarabi. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 5 - Cobertura com folhas de carnaúba, ventilação permanente mediante muxarabi. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

Figura 6 - Estrutura de madeira aparelhada e madeira bruta, telhas cerâmicas tipo capa e canal. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 6 - Estrutura de madeira aparelhada e madeira bruta, telhas cerâmicas tipo capa e canal. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 

Os telhados com estrutura de madeira convencional – caibros com bitolas comerciais e telhas de barro tipo capa e canal, não possuem forro e, em alguns casos, ao invés da tesoura de madeira o vão é vencido por caibros apoiados diretamente nas alvenarias, e os beirais possuem estrutura adicional de troncos de carnaúba [fig.5,6]. Observa-se, também, o uso de folhas de carnaúba trançadas. A fibra vegetal possui baixa inércia, é leve – o que implica em economia de madeiramento, facilidade de execução – a técnica artesanal é bem conhecida na região, excelente estanqueidade e facilidade de manutenção. No entanto, seu emprego exige cautela por tratar-se de material combustível.

Figura 7 - Vedos em painéis móveis de cipó trançado. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 7 - Vedos em painéis móveis de cipó trançado. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 

Figura 8 -  Lopa com vitrine de vidro temperado, cobertuda de folha de carnaúba e vedos em bambú. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 8 - Lopa com vitrine de vidro temperado, cobertuda de folha de carnaúba e vedos em bambú. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 Uma loja na da praia apresentou solução extremamente coerente com as condições climáticas locais [fig.8 e 9]. Foi implantada de frente para o mar, com sombreamento de um conjunto de árvores, o que contribui para a redução da incidência direta da luz do sol. A loja combina técnicas construtivas artesanais com materiais de tecnologia avançada. A fachada principal é em vidro temperado, e o oitão em muxarabi de madeira. É importante destacar que Jericoacoara tem o seu pôr-do-sol no mar. A placa de vidro temperado está posicionada para oeste, portanto. A cobertura em duas águas em folha de carnaúba trançada. As vedações laterais foram executadas em bambu e o piso elevado do solo em assoalho de madeira, soluções que favorecem a ventilação em todas as direções. O resultado foi um ambiente agradável pelo sombreamento, ventilação, e com vista para o mar. Ainda que seja uma arquitetura sem arquitetura, se apresentou extremamente bem resolvida. O exemplo nos faz lembrar a posição de Lina Bo Bardi quanto à relação entre o fazer popular e o profissional arquiteto: ”[...] Acho que o povo deve fazer arquitetura. É importante que o arquiteto comece projetando pela base e não pela cúpula. Claro que o arquiteto tem que atuar, mas a partir da base, não da cúpula”[iv]

Figura 9 - Loja, desenho à grafite sobre papel linho, de Edite Galote Carranza, 2000.Figura 9 - Loja, desenho à grafite sobre papel linho, de Edite Galote Carranza, 2000.

 Figura 10 - Residência com painéis removíveis, latada de varas de maderia. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 10 - Residência com painéis removíveis, latada de varas de maderia. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 

Figura 11 - Pedras escavadas durante a construção de uma residência. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 11 - Pedras escavadas durante a construção de uma residência. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

Figura 12 - Residência em fase de construção. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 12 - Residência em fase de construção. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

As construções residenciais não utilizam materiais locais ou alvenarias aparentes. Observamos a construção de uma residência na fase de suas fundações [fig.11]. Como o solo é muito rico em rocha sedimentar – uma espécie de arenito rosado, o construtor arrancava essas pedras e as amontoava na rua, enquanto dava prosseguimento à construção em alvenaria de bloco cerâmico. As casas são, em geral, construções em alvenaria de bloco cerâmico [fig.12], revestido e caiado mais frequentemente, coberturas em uma ou duas águas em telhas cerâmicas tipo capa e canal, e portas e janelas com venezianas em madeira pintada.

 Encontramos algumas residências em que a linguagem arquitetônica segue estilo eclético simplificado, com cornijas e ornatos,  comumente encontradas nos perímetros urbanos nordestinos [fig.13]. Apesar de tratar-se de uma casa singela, a tentativa de superação da expressão plástica conduzida pela solução técnica, denota o status desejado pelo proprietário.

Figura 14 - Loja construída com alvenaria estrutural de pedras. Foto: Ricardo Carranza, 2000. Figura 14 - Loja construída com alvenaria estrutural de pedras. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 

Figura 15 - Loja com painel móvel de cipó. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 15 - Loja com painel móvel de cipó. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 

As lojas e pousadas apresentam soluções técnicas diferentes das residências. Com o objetivo de reforçar uma identidade local as lojas fazem uso da cor de forma extensiva [fig.15], e utilizam técnicas locais e materiais sem revestimento como o arenito rosado e os tijolos de barro [fig.14].

As relações entre o vernacular e o contemporâneo possuem exemplos notáveis em nossa arquitetura. O Hotel de São Clemente, de 1944, em Nova Friburgo,  de Lúcio Costa, caracteriza-se pela “adoção de uma estrutura de madeira, cujas colunas, vigas e pisos eram constituídos por troncos pouco desbastados, apresentavam uma série de vantagens: economia considerável, já que a matéria prima, abundante no local, era quase gratuita; o edifício assumia um caráter de simplicidade rústica, muito apreciado pelas pessoas a que se destinava; enfim, o edifício inseria-se sem violência numa paisagem inteiramente respeitada, oferecendo ao mesmo tempo um notável conjunto de soluções funcionais.” [BRUAND, 1981].

Figura 16 - Igreja construída em alvenaria estrutural de pedra. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 16 - Igreja construída em alvenaria estrutural de pedra. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 

A igreja local, por sua vez, também é inteiramente construída em alvenaria estrutural de pedra, sem revestimento [fig.16].

Figura 17 - Alvenarias de pedra e tijolos de barro. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 17 - Alvenarias de pedra e tijolos de barro. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 

 Figura 18 - Torre caixa d'água de concreto armado. Foto: Ricardo Carranza, 2000.Figura 18 - Torre caixa d'água de concreto armado. Foto: Ricardo Carranza, 2000.

 Outra característica construtiva é a alvenaria de tijolos de barro maciços aparentes. Observa-se que a faixa de argamassa tem quase a mesma dimensão da altura do tijolo [fig.17]. É possível, em função da dificuldade de se adquirir materiais construção, terem lançado mão da areia de praia na composição da argamassa. Esta técnica é viável desde que a construção não tenha grande porte, como é o caso. As torres caixa d´água construídas em alvenaria estrutural em pedra, são caiadas de branco [fig.18]. É notável sua escala, o que denota a preocupação com a reserva de água na região, a qual pertence ao polígono das secas.

CONCLUSÕES

Jericoacora é uma ilha cultural pela distância de outros núcleos urbanos e por suas restrições de acesso. Selecionou-se estudá-la procurando identificar as técnicas construtivas empregadas e possibilidades de sua reprodução associando-as a novas tecnologias. Assim, o emprego de materiais renováveis e biodegradáveis como a palha, troncos de carnaubeira - materiais locais e  passíveis de serem mantidos e assimilados pelas gerações, possa ser uma prática eficaz para o equilíbrio do meio, observando-se critérios rigorosos de regulamentação ambiental a fim de que sejam garantidas as relações entre oferta e demanda.

Baseados nos critérios de que a cidade – “instrumento de trabalho coletivo” [v] , em qualquer escala, não deve ser homogênea, por sua complexidade, propomos a associação de técnicas construtivas tradicionais, verificáveis em muitas regiões do país, às específicas, de forma a conduzir uma simbiose que favoreça sua identidade cultural. E se à construção “dos espaços pudesse ser estabelecido, simultaneamente, um processo de aprendizado ambiental, de modo a alterar as condições de percepção que as comunidades têm do espaço em que vivemos seria possível esperar uma transformação nas técnicas de intervenção (utilizadas e apropriação) dessas comunidades sobre sua paisagem” [OSEKI  e PELEGRINO, 2004, p. 498].

As questões conceituais apóiam-se na realidade regional e local, bem como nos materiais disponíveis. As técnicas nela utilizadas devem ser valorizadas, procurando não as substituir por inovações contemporâneas. Entendemos que novas soluções podem conviver com os valores de sua arquitetura vernacular. Desse modo, estimula-se o não abandono de técnicas locais, mas sua incorporação às inovações de mercado.

Uma das características da arquitetura da terceira geração dos arquitetos modernos é a valorização da diversidade cultural e regional e da arquitetura vernacular. A arquiteta Lina Bo Bardi, é um exemplo dessa tendência, segundo Montanher: ” [...] Bo Bardi no propuso una forma arquitectónica sino un método: un método para superar la própria modernidad consistente en armonizar la base cultural del passado y la riqueza y vitalidaded de la cultura popular con el proyecto moderno de crear unas nuevas formas para uma nueva sociedad [...]”.  Ainda, segundo Montanher, a trajetória de Lina é coerente com a de Lúcio Costa, nos anos 1940 [MONTANHER, 1999]. [vi]

Outros arquitetos brasileiros seguiram esta corrente, para unir o moderno e a tradição, como por exemplo: Francisco Bologna, Sérgio Bernardes, Severiano Porto e José Zanine Caldas.

Com o estudo das soluções técnicas, através de registros fotográficos, desenhos, análise de campo, relativos aos materiais e técnicas construtivas específicas da região, visamos atender o objetivo de contribuir com o desenvolvimento sustentável de Jericoacoara. Entendemos que o meio acadêmico e técnico deva olhar atentamente a qualidade das soluções técnicas empregadas, especialmente no que se refere ao conforto ambiental, de forma a expandir seus horizontes. Uma proposta viável seria a construção de um vínculo entre aqueles meios para que as experiências - embasadas na tradição, sejam preservadas. Para tanto, convertê-las em projeto, de forma a serem intercambiáveis com a realidade de mercado que possa ser inserida em seu contexto cultural. Caberia a um corpo técnico resgatar esse conhecimento, e promover sua divulgação. Assim, a inserção dos “saberes tradicionais” promoveria uma maior participação popular, na construção de seu ambiente bem como na sua divulgação e continuidade. O poder público poderia estar engajado com uma política de valorização das técnicas construtivas locais, na medida em que estas fossem empregadas, de forma exemplar, nas construções públicas.

Observa-se o predomínio de uma técnica construtiva que associa construção tradicional em alvenaria, com construção local específica com materiais da região e mão de obra que conhece e sabe aproveitar artesanalmente esses materiais. Molda-se assim uma identidade cultural. Tem-se na valorização do uso de materiais e técnicas locais, uma participação em um projeto mais amplo: o equilíbrio do meio. 

AUTORES:

Arq. MS. Edite Galote Rodrigues Carranza

Instituição:  Instituto Presbiteriano Mackenzie.

Endereço: Avenida Antártica, 539 s.53 – Perdizes, São Paulo – SP -  CEP 05003-020

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Profª Drª Gilda Collet Bruna

Instituição:  Instituto Presbiteriano Mackenzie.

Endereço: Rua João Pimenta, 72, ap.91 – Morumbi, São Paulo – SP CEP 04736-040

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Arq. MS. Ricardo Carranza

Instituição: Unicentro Belas Artes de São Paulo

Endereço: Avenida Antártica, 539 s.53 – Perdizes, São Paulo – SP -  CEP 05003-020

E-mail:  Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Colaboradora:

Arq. Carolina Pepe Sacchelli

Instituição: UniFiamFaam – Faculdade de Artes Alcântara Machado

Endereço: Avenida Antártica, 539 s.53 – Perdizes, São Paulo – SP -  CEP 05003-020

 

Notas:

[i] SNUC- Sistema Nacional de Unidades de Conservação da natureza. Lei Nº 9.985 de 18/06/2000. Regulamenta o artigo 225 § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da natureza e dá outras providências.

[ii] Declarações de José Décio da Costa, fiscal florestal,  e do sociólogo José Osmar Fontelles, chefe do Parque Nacional de Jericoacora, em entrevista, por telefone, a Edite G.R. Carranza, em 02/12/2004. 

[iii] NOBRE,  Ana Luiza. Da tradição a alta tecnologia. Revista AU, São Paulo, n.41. p. 30-33, Abr-Mai, 1992.

[iv] Lina Bo Bardi [in] Arquitetura Moderna brasileira: Depoimento de uma geração. / Alberto Xavier organizador. – São Paulo: Pini: Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura: Fundação Vilanova Artigas, 1987.

[v] GAMA, Mara. Entrevista Giulio Carlo Argan. Revista AU, São Paulo, n.41, p.64-65, abr. /mai., 1992.

BIBLIOGRAFIA

SNUC- Sistema Nacional de Unidades de Conservação da natureza. Lei Nº 9.985 de 18/06/2000. Regulamenta o artigo 225 § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da natureza e dá outras providências.

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LIVROS

ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA: DEPOIMENTO DE UMA GERAÇÃO. / Alberto Xavier organizador. – São Paulo: Pini: Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura: Fundação Vilanova Artigas, 1987.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.

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OSEKI, Jorge H., PELLEGRINO, Paulo Renato M., PAISAGEM SOCIEDADE E AMBIENTE [in] CURSO DE GESTÃO AMBIENTAL/ Arlindo Philippi Jr., Marcelo de Andrade Romero, Gilda Collet Bruna, editores, - Barueri, SP: Manole, 2004, p. 498.

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REVISTAS

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