Panorama verde: um paralelo entre a vegetação da cidade moderna e da contemporânea
MATHEUS MARAMALDO ANDRADE SILVA
Resumo:
O verde, configurado a partir de árvores, arbustos, forrações e demais estratos, tem um diálogo variado dentro da paisagem. Em uma perspectiva mais associada a sua essência stricto sensu, é captado pela lente dos observadores como parte da “mãe natureza”, onde o compêndio geográfico e as raízes rousseauneanas fatalmente nos enveredam para uma análise pastoril da vegetação, para a densidade das imensidões vegetadas ou os detalhamentos específicos da botânica, em que cada elemento fitofisiológico ou fitomorfológico é essencial.
Em um momento mais recente, a ciência tem nos alterado os simples contextos ligados ao olhar ou extremamente presos a especificidade da matéria, sendo a nossa noção acerca do verde um intenso bombardeio de imagens e falas associadas a proteção ambiental. Neste texto, em um pequeno resgate com tentativas de leituras, queremos ver se isso também se manifesta em visões anteriores num parâmetro comparativo com o agora, observando com maior interesse o verde da urbe sonhada e construída Moderna e o desenvolvimento vegetal da polis contemporânea, tomando como base o Plano Piloto de Brasília por que não, filho da dicotomia de crescer fadado a comparação recorrente entre o que é o seu núcleo duro e pouco mutável com o que já a faz parte da metrópole.
Palavras-chaves: Vegetação Urbana. Panorama. Moderno. Plano Piloto
Abstract:
The green, configured from trees, shrubs, herbs and other strata, has a varied dialogue within the landscape. In a perspective more associated with its stricto sensu essence, it is captured by the lens of observers as part of the "mother nature", where the geographical compendium and the rousseaunean roots fatally throw us for a pastoral analysis of vegetation, for the density of vegetated immensity or the specific details of botany, in which each phytophysiological or phytomorphological element is essential. At a more recent time, science has changed the simple contexts linked to the look or extremely stuck to the specificity of matter, and our notion of green is an intense bombardment of images and statements associated with environmental protection. In this text, in a small rescue with reading attempts, we want to see if this is also manifested in previous visions in a parameter compared to the now, observing with greater interest the green of the dreamed and built modern city and the plant development of contemporary polis, based on the Pilot Plan of Brasilia... why not, son of the dichotomy of growing doomed the recurring comparison between what is its hard and unchangeable core with what is already part of the metropolis.
Keywords: Urban Flora. Panorama. Modern Architecture. Pilot Plan of Brasília
Resumen:
Verde, configurado a partir de árboles, arbustos, forraciones y otros estratos, tiene un diálogo variado dentro del paisaje. En una perspectiva más asociada con su esencia stricto sensu, es capturada por la lente de los observadores como parte de la "naturaleza madre", donde el compendio geográfico y las raíces rousseauneanas nos envuelven fatalmente para un análisis pastoral de la vegetación, para la densidad de los imensidés vegetados o los detalles específicos de la botánica, en la que cada elemento fitofisiológico o fitomorfológico es esencial. En un momento más reciente, la ciencia ha cambiado los contextos simples vinculados a la apariencia o extremadamente pegado a la especificidad de la materia, y nuestra noción de verde es un intenso bombardeo de imágenes y declaraciones asociadas con la protección del medio ambiente. En este texto, en un pequeño rescate con intentos de lectura, queremos ver si esto también se manifiesta en visiones anteriores en un parámetro comparado con el ahora, observando con mayor interés el verde de la ciudad moderna soñada y construida y el desarrollo vegetal de la polis contemporánea, basada en el Plan Piloto de Brasilia... por qué no, hijo de la dicotomía de crecer condenado la comparación recurrente entre lo que es su núcleo duro e inmutable con lo que ya es parte de la metrópolis.
Palabras clave: Vegetación urbana. Panorama. Moderno. Plan Piloto de Brasília
Introdução
As colinas crescentes, as encostas,
de estatísticas mentem diante de nós a subida íngreme de tudo,
subindo, como todos nós a descer.
No próximo século ou aquele além disso,
eles dizem, vales, pastos, podemos nos encontrar lá em paz
se nós fizermos isso.
Para escalar estas cristas próximas
uma palavra para você, para você e seus filhos:
Ficar juntos aprenda com as flores vá luz
Para as crianças, Gary Snyder
“O homem emudeceu, é a imagem que fala. Pois é evidente que só a imagem pode manter-se no mesmo passo da natureza (PASTERNAK apud BACHELARD, s/d, p.265)". Esta frase é um tanto provocadora para um início de texto, atitude até mesmo recomendável de ser evitada, contudo Bóris Pasternak põe em sintonia sintética e cinestésica um ponto fundamental deste texto: a imagem diante do mundo natural e do mundo construído.
As configurações e expectativas que temos frente à natureza são líquidas, com mudanças substanciais erguidas pela evolução do conhecimento humano e sua passagem por diversas experimentações artístico-científicas (THOMAS, 1988). Os conceitos que construímos acerca da vegetação não são diferentes, e no que tange o diálogo e uso da mesma nas cidades, tal experimentação se faz ainda mais rica, com fases de interpretação de aproximação, outras de afastamento (ALMEIDA, 2011; MASCARÓ, MASCARÓ, 2015).
Passando pelo século XX, por exemplo, com a vinda do movimento Moderno, parece que tivemos uma contextualização do verde urbano no qual o elemento vegetal não era situado como espécies bem definidas (a planta X e a planta Y) ou conceito principal dos projetos, mas uma mancha significante que dialogava com estruturas mais centrais – caso dos eixos e edificações (MACEDO, 1992). Já hoje, século XXI, temos uma inversão do papel da vegetação nas cidades, algo diferente do apresentado antes (ou pelo menos dizem que é diferente), em que as plantas possuem funções cada vez mais delineadas, com técnicos atribuindo uma capacidade impressionante as árvores, arbustos e ervas de angariar potenciais e transformá-los em solução – isso passa muito pela questão da sustentabilidade, a qual permeia toda e qualquer conversa sobre urbe que tenhamos hoje em dia (MASCARÓ, MASCARÓ, 2015).
Diante disto, questiona-se se temos mesmo essa grande diferenciação em menos de 100 anos. O papel do verde nas cidades mudou de forma tão substancial da era corbusiana para o período da Agenda Ambiental? Infere-se que sim, o projeto moderno não se apropriou da vegetação como elemento ambiental, mas essencialmente estético, e com as alterações dadas pela agremiação de novos conceitos, temos atualmente explorado muito mais nichos referentes ao mundo vegetal que antes. Contudo, em um exemplo prático, uma cidade moderna não teria mesmo, na sua concepção, arraigada uma contextualização diferente para as plantas? Sugere-se ver a cidade de Brasília, Brasil, como recorte a ser investigado para comprovar ou não que a arquitetura moderna de fato subjugou o verde a uma paleta de cores ou a uma sensibilidade maior, analisando os exercícios de concepção, construção e desenvolvimento da vegetação nessa cidade.
Espera-se, assim, que este texto esboce um exame que permita ao leitor verificar se de fato o pensamento moderno se deteve a um movimento mais artístico ao emoldurar as plantas, como também entender as mudanças parciais e totais que a configuração da vegetação urbana teve desse período para o que temos agora, um mundo com maior presença de hortas urbanas e cálculo de gás carbônico. Por que mudamos tanto? Ou só reciclamos valores com novos nomes?
Panorama vegetal e o mundo construído pelo Moderno
Compreendido este objetivo, voltemos a afirmativa de Pasternak do primeiro parágrafo. O panorama está muito ligado ao conceito de imagem – basicamente é imagem – e está imbricada também ao conceito de paisagem, pois esta última, de alguma forma, nasceu da observação da natureza com a pintura e somente tempos depois, séculos na verdade, começou a ter sua construção galgada em composições filosóficas e antropológicas (SANDEVILLE JÚNIOR, 2005). O panorama, dos seus primórdios como era enxergado aos dias atuais tem evoluído de maneira ascendente, de tal forma e ser fortemente explorado em seus mínimos detalhes, principalmente de um jeito mercantil, visto que “uma imagem vale mais que mil palavras” (TAPIA, CARLOS & ALVES, 2017):
[...] O peso da propaganda e da fantasia da mídia para iludir a realidade da segregação e da exploração social e interpenetração das esferas pública e privada faziam com que as grandes preocupações metafísicas do modernismo, as questões fundamentais do ser e do significado da vida, a comandar até então a produção do espaço, passassem a ser absolutamente remotas e sem sentido, sendo substituídas por uma espécie de imediatismo [...] (FAGGIN, 2004, p.65)
Temos uma supervalorização da visão e do que esperamos encontrar a frente, sendo a cada dia uma sucessão imagética associada a uma cultura de status quo e verdades impostas (TAPIA, CARLOS & ALVES, 2017). Contudo, o que é um panorama e o que ele tem a ver com o verde, principalmente para a discussão que queremos provocar entre o exercício modernista e o contemporâneo com os elementos vegetais?
De modo geral, associamos a palavra “panorama” a um recorte amplo visual, ou seja, ao ver algo a frente, temos um quadro, o qual pode ser natural ou construído, grande ou pequeno, claro ou escuro, mas sempre um campo ótico. Os planejadores espaciais e/ou artistas detém um conhecimento que justamente dita o que se deseja que seja visto, pois posicionam os elementos compositivos onde esperam certos efeitos, ou condicionam o observador a ter enquadramentos que permitam imaginar ou ver de forma próxima ao que desenham.
Dentre tais elementos, a vegetação é um dos objetos dos quais os planejadores exploram estes efeitos visuais, e, nas urbes, foi-se burilando como representar e expor as plantas de maneira a mais ou menos explorar uma concepção artística e/ou funcional (BAZIN, 1988, WATERMAN, 2009). Se em um dado momento domesticamos parte do que antes era a selva, fomos aprendendo a cultivar vegetais (de forma geral e não exclusiva à legumes) nas proximidades das nossas construções, em um contexto de aproximação cauteloso e sensível, a partir do que considerávamos de natureza o suficiente para nossas necessidades (THOMAS, 1988; WATERMAN, 2009). Passado o período medieval (não que antes e durante não houvesse algum grau de envolvimento), o homem e sua cidade passaram a encarar o verde como elemento compositivo, tão moldável quanto a tinta acrílica ou os mosaicos de tijolos que erguiam castelos e igrejas (BAZIN, 1988, WATERMAN, 2009), trazendo-nos para um conflito que é parte do cerne deste texto: plurifunção x objetificação, ou talvez holisticidade x panorama.
Para exemplificar isto e nos debruçar em maior concisão, há de se destacar a composição de idas e vindas dos séculos (BERQUE, 1994): Renascimento/Barroco versus Romantismo, por exemplo, em uma leitura basal, trata de uma clara sobreposição de cargas semânticas entre a cidade e sua vegetação, onde temos um mundo antes comandado pela decisão antropocêntrica, de definição da natureza através do desenho bastante geométrico – Versailles, de André-le-Nôtre – e o entendimento, logo em seguida, através do contato com cidades mais populosas e desenvolvidas, inclusive em suas mazelas, o diagnóstico da necessidade do afastamento, da volta as experiências de bosques, redutos e outros espaços longínquos e sem hierarquia de traços retilíneos ou oriundas de formas perfeitas - Stourhead, de Henry Hoare – (BAZIN, 1988; PHAIDON PRESS, 2003). Há ainda uma necessidade de domesticação do que se considera natural (THOMAS, 1988), porém não do mesmo jeito. Na primeira ideia, permite-se um vislumbre essencialmente ótico de poder, associado a uma racionalidade perfeita de perspectivas; já na segunda onda, a temperatura dos fatos nos leva a conceitos igualmente estudados, entretanto, mais leves, onde o panorama acompanha o respirar, o ouvir e o tocar, não totalmente deslocados das hierarquias de poder, mas com mediações entre o perfeccionismo e uma simples tela desfalcada de erros (BAZIN, 1988; PHAIDON PRESS, 2003).
De alguma maneira, temos esta dualidade entre nosso passado recente e a contemporaneidade, cujos processos se julgam panópticos e nos tornam assustadoramente exigentes (BESSE, 2006).
Neste paralelo, inicialmente, trazemos a cidade do início do século XX, de assinatura ainda muito presente com o arquiteto, a qual tem como modelo o Moderno, sendo densamente experimentado. Em livros acerca da teoria por trás deste estilo, caso de Por uma arquitetura e Planejamento Urbano (CORBUSIER, 1971; Idem, 1976), revivemos na cidade e suas edificações revolucionárias, o diagnóstico de que as plantas são como as máquinas, por um lado, despoluidoras, intervindo em um problema grave das cidades pós-revolução industrial, sem correntes de ar e marcadas pela fuligem, de forma precisa e eficiente, e por outro, elemento compositivo, onde a pintura tem suas personagens bailarinas e o verde é pano de fundo para o espetáculo. Metáforas a parte, nos parece que, assim como toda a filosofia que rege os traçados e a forma dos edifícios, no pensamento Moderno, a vegetação é parede, vazio que destaca algo mais importante que é o elemento construído (Figuras 1 a 3):
Esta visão da planta, como elemento de fundo do edifício, como entidade a ser contida em um plano qualquer ou em um vaso, continua a ser amplamente utilizada [...] Muito desta visão está contida em princípios estereotipados do urbanismo moderno sobre áreas verdes [...] Nesta forma de posicionamento a ideia de projeto com planos horizontais e verticais é simplificada dentro do conceito figura-fundo onde o edifício é a figura e a vegetação, arvoredo ou o gramado se constitui em um cenário de apoio (MACEDO, 1992, pp.13-14).
Quando vemos projetos como da Ville Savoye (Le Corbusier) ou da Farnsworth House (Mies van der Rohe), o que é enxergado? A arquitetura. O pouso leve das edificações é inebriante e é completado por um extenso plano de fundo verde (ou marrom no outono) que nunca se destaca frente aos prédios. Isso, assim, se repete nas propostas para cidades como é o caso de Ville Radieuse e Chandigarh ou mesmo bairros. Os desenhos são claros definidores de que as malhas e edificações são os núcleos definidores e que precisam ser marcados na paisagem, enquanto a tinta verde favorece a clareza das composições (Figuras 1 a 3):
A vegetação destina-se aí unicamente ao embelezamento dos pátios, não participa da paisagem da rua e o ganho dessa falta será muito importante para a cidade (CORBUSIER, 1971, p.93).
Possivelmente o leitor pode estar se perguntando: e no caso dos projetos de Burle Marx, Thomas Church ou Garrett Eckbo? A vegetação se comporta da mesma maneira? Certamente que não. Porém, veja a nossa discussão, em termos de cidade, projetistas voltados para as áreas livres pouco ou nada tinham de envolvimento com a concepção das urbes e seus quadriláteros internos, sendo chamados para elaborar jardins e parques já delimitados pelo planejamento urbano (MACEDO, 2015).
Temos aqui o exercício de reforço inequívoco da paisagem ótica através do jogo morfológico (mesmo que o discurso possa tentar disfarçar seu real propósito).
Panorama vegetal e o mundo construído após o Moderno
Se por um lado a construção do estilo moderno, no tocante a deliberação sobre as cidades, levava a projetos em que o verde não despontaria como elemento principal ou ao menos co-principal da malha urbana, a ultrapassagem deste período histórico devolveu em parte a leitura funcional ao seio da discussão.
Na cidade contemporânea, o espaço para o unidirecional é bem menor, em que nos voltamos para um diálogo plurifacetário e a crítica está presente para cada ausência de análise (ROGERS, 2001).
O planejador certamente é promovedor de discurso, contudo, a sociedade e a política econômica detêm uma representatividade quase sempre superior à do técnico (ROGERS, 2001). O verde nesta história é interconectado a diversos serviços e na urbe passa a ter destaque, seja pela implantação seja pela sua falta (MACEDO, 2015). Contenção de encostas, sombreamento, produção de oxigênio, etc, são alguns dos serviços prestados e não deixam de ser pontuados, sendo por vezes a árvore ou as forrações parte essencial ou a mais importante do projeto arquitetônico e urbanístico (MASCARÓ, MASCARÓ, 2015). A estética, que nunca foi perdida como meta, é agora mais uma parte do quebra-cabeças, deixando de ser a única ou isolada entre si e outra função desassociada (BERQUE, 1994; BESSE, 2006).
Temos agora figuras como os planos diretores, manuais de arborização para cidades, feiras e conferências sobre o clima, biomas e vegetação e um processo midiático feroz que não permite mais modelos em que a justificativa é filosófica, rasa ou meramente cênica (MASCARÓ, MASCARÓ, 2015). O panorama agora é possível ao usuário, mas na sociedade da informação ler a paisagem é um exercício que leva principalmente a questionamentos ambientais e culturais:
Além disso, as cidades geralmente estão localizadas em ambientes-chave - em rios, em portos oceânicos, ou perto da linha de queda, onde as cachoeiras fornecem o poder da água. Portanto, as grandes cidades tendem a se desenvolver em locais cruciais para conservação biológica. Se estamos interessados em conservação biológica, então devemos começar a projetar habitats e ambientes urbanos, bem como designar legalmente áreas de natureza selvagem e preservar (D. B. BOTKIN, C. E. BEVERIDGE, p.5, 1997).
Somos instigados a mudar o espaço, e o que antes era considerado panorama técnico, esboçado e erguido pelo homem moderno sem a intenção de se modificar pelo usuário não tão polido, esfarelou-se em interações da população com seus espaços livres muito mais ativas. A contemporaneidade trouxe paisagens bem mais mutáveis – com excesso de informação por vezes, é verdade -, onde o espaço é bem mais democrático. O verde, desta forma, cansa de ser somente contemplado e distante e passa a de fato ressignificar as áreas por onde permeia, seja em pomares, seja em projetos ambiciosos de requalificação urbana.
Brasília: um caso de extrapolação do verde modernista?
Entretanto, quando analisamos uma linha temporal, há 100% de estratificações quanto ao pensamento moderno na estruturação urbana relativo à paleta vegetal? É possível verificar que não. A vivência e as peculiaridades de certos autores e certos países fez com que visões estilísticas/políticas não se sobressaíssem por completo. Vide Brasília.
Tendo como exemplo esta cidade, que passa por um rápido processo de metropolização, há esta separação entre o projetado e o que é enxertado, em que se revela uma forma mais tênue e sensível de abordagem das plantas do que o cartesianismo Moderno poderia exigir (PANERAI, 2006; MACEDO, 2015).
A cidade planejada, conforme podemos observar in loco e captar de textos como Arquitetura ou Brasília Revisitada (COSTA, 1987; Idem, 2003), não estava de todo envolvida por uma vegetação asséptica, sendo a escala bucólica um exemplo de desconstrução da objetificação simples (TELES, 2005). O verde serviria como elemento funcional, para amenizar as temperaturas, a seca e trazer ar puro, mas também seria um polo recordativo/experiencial, no qual o usuário poderia estar conectado novamente ao que lhe vem das lembranças da infância, comer frutas próximo de casa e ter contato com uma fauna pouco possível nas outras grandes cidades (COSTA, 2003; TELES, 2005) (Figura 4). No entanto, mesmo com o projetista do Plano Piloto tendo uma grande bagagem de experiências a parte do Movimento Moderno, a época e as influências o fizeram ainda transmissor deste modelo. Em um trecho de Brasília Revisitada, Lúcio Costa sugere a continuidade da adoção dos plantios em bosque, com particular ênfase ao plantio de massas de araucária, no entorno direto da Praça dos Três Poderes (COSTA, 1987)
O que será isto se não um diálogo franco entre cenários? O prédio branco do Congresso Nacional, os Palácios, todos eles se destacariam com um fundo regular e escuro. A cidade, assim, tem a vegetação também como elemento cênico, onde, além de representante máximo de uma das suas 4 escalas, se faz molde panorâmico, vazio escuro (verde) para que a obra edilícia e os traços dos caminhos sejam preponderantes no campo visual.
Na metrópole Brasília, temos um intercâmbio de funções avassalador, com inversões no que é o verde purista do plano, para o verde holístico. A vegetação está associada a beleza cênica, mas não somente isso, ao que representa no contexto de estar em um parque, em uma rua ou em um quintal. O “cinturão verde” das superquadras, mais conectado ao que dizem autores como e Mascaró e Mascaró (2015), explora a infraestrutura, com drenagem, captura de gás carbônico e a proteção contra agentes patógenos, ou se conecta cegamente ao termo “sustentabilidade”, fazendo-nos entender que temos uma cidade mais sustentável quase que exclusivamente por termos mais árvores. Nesta urbe frenética, guiada pela mídia, perdemos padrões isolados ou mesmo um insumo inerte para o desenho para o verde brasiliense ser um verde mais complexo e possivelmente guiado por ele mesmo, dialogando de forma completamente diferente do que foi implantado no início da cidade (TELES, 2005).
Quem está em destaque? Hortas comunitárias, agroflorestas, jardins elaborados, jardins de chuva, bosques e campos cerratenses. Na metrópole Brasília, temos espaço para tudo isso e mais um pouco, mudando e muito a dinâmica de como o espectador, antes doutrinado, usufrui do espaço e da arquitetura moderna, em um deleite bem mais interativo.
Considerações finais
Observando esta evolução, sem a pretensão de esgotar o assunto, em um apanhado rápido, percebeu-se que construímos uma ideia nova do que é a vegetação nas cidades e no nosso imaginário, sendo que em poucos anos - menos de um século – o trabalho com este elemento morfológico e ambiental das cidades deixou de ser um objeto opaco e sintético, com funções muito certas e de prática majoritariamente cênica, para um artefato polivalente, central em diversas leituras. Ficam alguns pontos a se discutir, pois Brasília, mesmo sendo expoente de um contexto de um estilo arraigado de cátedras, teve como autor alguém sensível a poética brasileira e de raízes menos internacionais, percebendo-se que a escala do pedestre em meio ao verde tinha uma importância sentimental.
Será a Brasília Moderna e a Brasília Metrópole, no que tange a vegetação, menos distantes do que nosso relato? Temos aqui um desdobramento e um intercâmbio constante entre o que é panorama cênico e o que é vivência, ambiente e função. O Moderno, segue assim, com suas cátedras, porém, se vê isolado, no qual a dinâmica das cidades e do pensamento do homem faz mudar o como enxergamos o vegetal nas suas antes simples manchas de tinta verde.
Referências
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Minicurrículo
Matheus Maramaldo Andrade Silva, doutorando no Programa de Pós-graduação em
Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB (PPG-FAU UnB).
Correio eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Link para Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1168026728043259
Como citar:
SILVA, Matheus Maramaldo Andrade. Panorama verde: um paralelo entre a vegetação da cidade moderna e da contemporânea. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 15, v. 01, n.19, e132, p. 1-15, jan./jun., 2020. Disponível em: http://revista5.arquitetonica.com/index.php/sustentabilidade/panorama-verde-um-paralelo-entre-a-vegetacao-da-cidade-moderna-e-da-contemporanea
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