Cidade do Rio de Janeiro e a dinâmica das novas centralidades

Categoria: Ciências sociais aplicadas: Arquitetura
Centro Histórico Foto: Eunice AbascalCentro Histórico Foto: Eunice Abascal



RESUMO:

As transformações produtivas decorrentes da globalização e decorrentes reestruturações urbanas contemporâneas se defrontam com o fenômeno de mudança das funções do centro tradicional e de formação de novas centralidades. Dinâmicas de dispersão e concentração urbanas coexistem, ao expor a materialização territorial do movimento econômico de afirmação do setor terciário e deslocamento espacial do setor secundário.

A cidade do Rio de Janeiro vem potencializando seu papel na rede de cidades globais, criando condições de enfrentar a competitividade internacional, a partir de sua vocação turística e cosmopolita.

 

Favela Copacabana Foto: Edite CarranzaFavela Copacabana Foto: Edite Carranza

 

Este trabalho analisa a mencionada dinâmica, assinalando a existência de funções terciárias que ocupam hoje a área central (com o “Corredor Cultural”). Expõe ainda a presença de outras novas centralidades que se localizam em bairros periféricos, como forma de concentração de serviços à comunidade (Programa “Novas Centralidades”).

Palavras-chave: centralidades; reestruturação urbana; globalização; transformações produtivas; Corredor Cultural; Programa Novas Centralidades.

Introdução

As cidades hoje, ao enfrentar a necessidade de redefinir seu papel econômico e social, e ao buscar se inserir na rede de cidades globais desejam atingir novos patamares de competitividade internacional.

 

Barra da Tijuca Foto: Edite CarranzaBarra da Tijuca Foto: Edite Carranza

 

No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro apresenta condições para integrar essa rede, por sua competência na área turística e cosmopolitismo.

A despeito desse potencial, o Rio de Janeiro se apresenta com carências de infra-estruturas, bem como problemas ambientais. Entretanto, a cidade é dotada de uma significativa estrutura industrial o que permite que venha se recuperando graças à abertura econômica e privatizações. Sua economia embasada em forte setor terciário vem atraindo também uma economia industrial moderna e compatível com as necessidades produtivas.

A dinâmica de realização destes novos processos produtivos vem gerando competição por espaços urbanos, para abrigar sedes de empresas (muitas transnacionais) e o setor terciário, que supre a demanda terciária ao localizar lojas, restaurantes, hotéis, investimentos imobiliários que redefinem hoje a estrutura das cidades.

 

Centro comercial Foto: Eunice AbascalCentro comercial Foto: Eunice Abascal

 

Como conseqüência, observa-se a revalorização do Centro de Negócios (localizado no centro histórico) assim como o surgimento de novas centralidades de comércio, serviços e habitação. Essas centralidades ocupam áreas afastadas do centro original, dividindo com este a oferta de atividades urbanas.

O presente trabalho analisa a formação das novas centralidades na cidade do Rio de Janeiro, a partir da caracterização de sua reestruturação econômica e territorial. Explicita o processo de formação destes novos centros e aborda alguns aspectos críticos dessa reestruturação urbana.

Novas centralidades

 

Pedregulho Foto: Ricardo CarranzaPedregulho Foto: Ricardo Carranza

 

As novas centralidades resultam de uma dinâmica complexa, articuladora de concentração e de dispersão, ao mesmo tempo. As transformações territoriais advindas com a globalização e o advento de uma economia operacionalizada por redes telemáticas maximizam a dispersão territorial, propiciando o surgimento de novas centralidades urbanas. Esse fenômeno decorre do fato de que a volatilidade das informações e de transmissões de dados on-line são fatores de dispersão e desterritorialização das atividades no espaço econômico. Transações e distribuição de bens dependem da transmissão de dados em redes telemáticas, possibilitando deslocamentos no espaço a partir de outra geografia, dissolvendo os modelos espaciais anteriores fundamentados na relação binomial centro e periferia.

Pode-se dizer que uma complexa rede de deslocamentos, ações e territorialidade se estrutura de sorte a caracterizar o que Reis Filho (2006) denominou a “urbanização dispersa”.

 

Centro Histórico foto: Eunice AbascaCentro Histórico foto: Eunice Abasca

 

Esses novos e dispersos centros são reconfigurações espaciais, pois respondem a transformações que tiveram início a partir da década de 1980, o que coincidiu com o advento da economia globalizada e a adoção de políticas de desenvolvimento neoliberais voltadas a essa nova realidade.

Formadas por tecidos urbanos que concentram atividades, principalmente terciárias, tais concentrações, em sua maioria de alta renda, coexistem com outros pólos que localizam no território fluxos econômicos, bens e serviços de baixo valor agregado. As disparidades acentuam desigualdades ambientais que revestem evidentes heterogeneidades sociais.

 

Vista aérea Foto: Edite CarranzaVista aérea Foto: Edite Carranza

 

Na América Latina, urgem processos regulados pela ação pública de conduta da política econômica e territorial-urbana, que atuem de maneira enérgica em ambiente de incertezas e geração de empregos de baixo valor agregado. Do ponto de vista da conduta urbanística atual, demandam-se respostas na forma de planos e intervenções, capazes de articular não somente a formação de novos centros compreendidos como concentração funcional. Esses planos devem regular também a oferta de habitação, recuperar bairros e preservar o ambiente e a arquitetura formadores da identidade e história. Ações urbanísticas capazes de contemplar e prover de qualidade o ambiente construído, reabilitar o patrimônio, resgatar a vida urbana, as áreas degradadas ou ociosas.

Os centros urbanos assumem neste novo contexto o papel de pólos de distribuição e comercialização de bens e serviços, para o que o setor terciário desempenha ativo papel na geração de emprego e de renda. Esse setor absorve o contingente urbano de mão-de-obra de mais alta qualificação, e que detém os salários de maior valor agregado.

 

Centro Histórico Foto: Eunice AbascalCentro Histórico Foto: Eunice Abascal

 

Serviços comuns, serviços à produção (ao setor secundário), e serviços avançados (softwares, informática, comunicação e tecnologias da informação) integram esse setor eminentemente urbano. As novas centralidades emergem a fim de abrigar essas funções terciárias.

Cicollela (apud AGUILAR, 2004) observa que a emergência de uma “outra cidade”, relacionada à globalização e à dinâmica econômica informatizada gera novas e distintas formações territoriais, a que denominamos reconfigurações. Estas abrangem transformações territoriais intra-urbanas e metropolitanas, resultantes das recentes dinâmicas espaço-temporais de produção, circulação e consumo.

Para este autor, estas transformações obedecem a uma lógica territorial, de elevação de densidade e recuperação da área central clássica, formação de corredores corporativos ou de complexos sub-centros na periferia das aglomerações. Definem-se novas centralidades e sub-centralidades, vinculadas a investimentos estrangeiros ou nacionais. Estes revertem em capital imobiliário a ser vendido ou locado por empresas transnacionais que passam a operar a partir de sedes que pontuam a paisagem urbana.

Trata-se de espaços de gestão empresarial e produção, fragmentos do tecido sócio-político-espacial (SOUZA, apud AGUILAR, 2004), que se caracterizam por áreas de uso exclusivo ou semi-exclusivo (habitacional de alta renda, corporativo, corporativo-habitacional de alta renda). Essas áreas dispõem de mecanismos e recursos específicos de controle e de vigilância.

Acompanha uma profunda alteração da qualidade dos espaços públicos, chegando à decadência ou transformação radical das formas de percepção da cidade. O modelo europeu de urbanização compacta e aberta à apropriação pública cede passo a outro padrão, disperso e estruturado distintamente. Outros padrões que se apresentam à percepção como segregações ou “ilhas” conectadas por redes de autopistas ou soluções viárias que desprezam a escala pedestre (CICOLLELA, in AGUILAR, 2004).

A urbanização metropolitana atual combina distintas formas de estruturas, como urbanizações privadas, áreas de consumo e recreação, áreas especializadas de megacentros de lazer, educação, saúde. Conceitos tais como o de metápolis, cidade sem confins ou cidade difusa vêm sendo empregados para articular o discurso sobre a cidade.

A idéia de segregação assume o lugar daquela de coesão, ao verificar-se que a multiplicidade e heterogeneidade de usos vão dando lugar à especialização funcional, fazendo com que lugares outrora vivos se transformem em cenários de ação especializada.

Ainda que o Estado conduza através de planejamento a sedimentação destes espaços urbanos voltados às novas funções, tais estratégias devem ser encaradas como parte articulada a um plano de maior escopo, o qual  deve conceber esses novos centros como potenciais espaços públicos em que a vitalidade depende do uso efetivo e de apropriação social plena.

Significa que as centralidades precisam potencializar usos e não apenas realizar sua exclusividade, pautando-se pela preservação e criação de uma paisagem de alta qualidade ambiental. Devem visar também à promoção do desenvolvimento sustentável, com infra-estruturas adequadas (transportes, distribuição e preservação do patrimônio ambiental e construído).

Borja (2003) salienta que uma centralidade admite, por definição, um caráter polissêmico, manifesto pela presença de atrativos, usos e potencialidades culturais e simbólicas que determinam a diferença entre os lugares.

Se estes lugares recém-criados se anulam por excessiva homogeneidade, esvai-se a polissemia.

Espaço público e equipamentos estruturadores – a monumentalidade

Borja (2003) assinala a importância assumida pelo desenho do espaço público e sua qualificação como estratégia no urbanismo contemporâneo. Este autor considera que as cidades latino-americanas vêm realizando intervenções urbanas estruturadoras, fundamentadas na promoção do espaço público, como em Bogotá (Colômbia) ao criar parques públicos e reconverter as ruas (a Rua 15, por exemplo). Semelhantes intervenções vêm tomando forma, entre estas o Projeto Rio-Cidade (RJ) e o bairro do Hipódromo na Cidade do México (bulevares), assim como podem ser mencionadas também as intervenções geradoras de acessibilidade e intenso uso no Centro Histórico e no Zócalo, ainda na capital mexicana. Outros exemplos significativos são Porto Madero, na Argentina, a zona portuária de Montevideo e o Centro Cívico de Santiago do Chile.

O espaço público, diz, é determinante na condição da urbanidade, constituindo origem e forma de expressão da cidade. Admite um valor funcional, cultural (simbólico) e cívico-político, como lugar da representação e da manifestação coletivas. A qualidade do espaço público é fator decisivo na transformação ou degradação de entornos, fazendo de equipamentos e da monumentalidade condições e elementos qualificadores daquele espaço. Como qualificadores, os espaços públicos proporcionam visibilidade e segurança, ao acrescentar à paisagem referências físicas e simbólicas, bem como diversidade de usos.  O que exige uma interpretação não-funcionalista de projeto, e a provisão de atividades capaz de suplantar apenas aquelas específicas e imediatas. A importância de um espaço qualificado está naquilo que suscita (BORJA, 2003) e não somente na função especializada a que se destina, ao promover malhas e espaços urbanos integrados, funcionando como transição com os espaços privativos.

As formas urbanas e modos de intervenção na cidade se confrontam com uma evidente contradição, de um lado a fragmentação e a urbanização difusa e de outro a sobrevivência e as ações de preservação dos centros tradicionais. As novas centralidades e áreas revalorizadas, muitas vezes museificadas (BORJA, 2003) e pensadas para o automóvel impossibilitam a expressão desses lugares como espaços públicos. Tecidos urbanos ociosos ou obsoletos se deixam ocupar muitas vezes por edifícios isolados que manifestam sua arrogância ao determinar a preponderância do domínio privado e anulando ou mitigando a dimensão pública. Em outros casos, espaços sub-utilizados ou excessiva especialização funcional retiram vitalidade, transformando os espaços em palco de uso em horários determinados.

O que garante a integração destes centros que se sobrepõem a outros é a qualidade de seu desenho, ao valorizar o espaço público, a arquitetura, e ao promover usos distintos que enriquecem a dinâmica da vida urbana.

Aguilar e Alvarado (2004) afirmam que “La nueva ciudad es una ciudad a la carta‟; está compuesta principalmente de tres redes que se translapan: 1. La red del hogar (…); 2. La red del consumo, que abarca los centros comerciales (…) 3. La red de producción. Cada una de esas redes tiene su propia lógica espacial”. Entretanto, os mesmos autores consideram que a cidade contemporânea multinodal deu lugar a uma complexa rede de deslocamentos tangenciais, que articula de maneira complexa esta nova trama de reconfigurações ou fragmentos. Estas novas redes e espaços determinam encontros ou nós, eixos ou formas distintas, variando de tamanho, natureza e de imagem, mas se articulam por essa trama de acessos e de vias.

Borja (2003) menciona que a urbanização, pautada em soluções isentas de compromisso entre continuidade e diferenciação não pode ser considerada produção de cidade, admitindo, portanto, o sinônimo de fratura. Quaisquer que sejam as formas que o tecido multinodal venha assumir são necessárias práticas e ações de desenho urbano, capazes de explicitar continuidades e especificar lugares de permanência.

Rio de Janeiro: estrutura urbana e reestruturação contemporânea

Fundado no século XVI, em 1565, por Estácio de Sá, São Sebastião do Rio de Janeiro contava com o fato de os portugueses ocuparem a área original da fundação do Morro do Castelo. Uma pequena quadra surgiu no restrito espaço plano de um quilômetro quadrado, circundado por morros (SEGRE, 2004). Em 1763 a cidade passou a ocupar a posição de sede do Governo Federal, substituindo Salvador.

Com a transferência da Corte portuguesa em 1808, expandiu-se na direção norte, ampliando então a área suburbana. Já nessa época assumiu os códigos arquitetônicos ditados pela missão cultural francesa de que fez parte o Arquiteto Grandjean de Montigny, acomodando a elite urbana nascente com a interiorização representada pelo deslocamento em direção a Baia e demais estratos sociais com a formação suburbana da Zona Norte.

A Proclamação da República em 1889 introduziu o modelo de urbanização parisiense de Haussman, conflitando com o sítio natural e a cidade colonial. O Rio moderno veio então a se configurar pela ação modernizadora do Prefeito Pereira Passos (gestão de 1903 a 1906) e com o Plano Diretor de Donat Alfred Agache (1925-1930). Essas transformações trouxeram a Avenida Central e marcaram a cidade com um novo cenário.

Nos primeiros anos do século XX, o Rio de Janeiro sofreu reformulações de natureza higienista e sanitarista. Essas intervenções modernizadoras se tornariam realidade com a reforma empreendida por Pereira Passos.

A dinâmica transformadora acarretou em valorização da terra urbana nas áreas afetadas por esse processo modernizador, dando início à suburbanização, nos anos de 1920 e 1930. Na década de 1940 a abertura da Avenida Getulio Vargas complementou a ação modernizadora. A desaparição de morros na área central favoreceu a ocupação por escritórios, lojas, e edifícios públicos, possibilitando a expansão linear da cidade.

De 1920 a 1950, a feição da área central se modificou, com os morros do Senado e do Castelo sendo desmontados e dando lugar ao Aterro do Flamengo, que veio a ser ocupado pelo Aeroporto Santos Dumont. O traçado acadêmico e a abertura das grandes avenidas redesenharam a cidade colonial, que assistiu à construção das primeiras torres de escritórios. O Rio alçava-se à escala monumental condizente com sua natureza de Capital Federal (SEGRE, op. cit.).

A transferência das funções administrativas de que o Rio foi sede para a nova Capital de Brasília deu início a outra dinâmica urbana, que esgotou as antigas funções do centro tradicional. No período de 1960 a 1980, uma crise de identidade e econômico-social se aprofundou, acarretando em assentamentos irregulares e um total atualmente de 600 favelas que somam um milhão de habitantes e 5,5 milhões na área do município (SEGRE, id., ibid.).

Enquanto a fixação dos estratos sociais de porte médio e alto estabeleceu as classes mais favorecidas junto às áreas centrais contíguas ao centro tradicional, os subúrbios se destinaram às classes desabonadas. Esse deslocamento proletário, acentuado pela chegada das indústrias e da estrada de ferro ocorreu, sobretudo, na Zona Norte, reservando a Zona Sul aos estratos favorecidos. Surgiram os bairros do Flamengo, Botafogo, Copacabana, Ipanema, Leblon e na segunda metade do século XX, São Conrado e Barra da Tijuca.

A despeito desse movimento espacial formador de novas centralidades, o centro desempenhou até o início da década de 1960 o papel de espaço simbólico inerente à situação de Capital do País. Exibe ícones da arquitetura moderna da mais alta qualidade, produzidos desde os anos trinta. O Edifício do Ministério da Educação e Saúde, de 1936 – Palácio Capanema (hoje abrigando o Ministério da Educação e Cultura), o atesta.  De inspiração corbusieriana contribuiu definitivamente para a consolidação da arquitetura moderna brasileira, com a hábil e refinada proposta de Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Jorge Moreira Costa. Entretanto, a “cidade maravilhosa” desperta preocupação, com a proliferação de sub-habitações e assentamentos informais, palco de segmentação espacial e processos sociais movidos pela violência e pelo medo.

As favelas representam a situação extrema a que esse deslocamento espacial pode chegar, resultante da dinâmica de valorização e desvalorização fundiária e imobiliária. Ao reservar aos estratos de baixa renda localizações periféricas, realizou-se a expansão e crescimento da cidade informal, estendendo o território urbano.

No caso do Rio, a favelização veio ocorrendo de forma acentuada há quase um século, sendo prática corrente a migração de favelas aos subúrbios. Entretanto, conforme assinala SOUZA (apud AGUILAR, 2004), no Rio as favelas não são exclusividade das periferias, convivendo de forma contígua com os tecidos urbanos de ocupação da elite.

Contrariando os esquemas tipológicos em que as favelas e áreas destinadas aos carentes se localizam exclusivamente em subúrbios e centralidades distantes, no Rio as favelas também se encontram ou nos morros centrais ou próximas das áreas nobres.

No entanto, de modo geral, na cidade contemporânea de urbanização dispersa, concentrações funcionais e tipologias de ocupação territoriais convivem com movimentos de deslocamento populacionais, acarretando padrões complexos. Essa dinâmica geradora de complexidade espacial devido aos deslocamentos acarreta consideráveis distâncias entre o centro tradicional e as áreas novas, o que configura um dos fatores de geração de centralidades urbanas e agravamento das necessidades de infra-estruturas e qualidade ambiental.

Dessa forma, são igualmente assinaláveis os centros desenvolvidos em função do deslocamento das elites, sobretudo em direção à Barra da Tijuca. No Rio de Janeiro, esse processo foi reforçado pela configuração linear do sitio, ao mesmo tempo em que as atividades no centro tradicional de negócios se acentuaram, vivendo-se a disputa do centro com a Barra da Tijuca e alguns bairros da Zona Norte (COUTINHO, 2007).

Ao expandir-se, o centro tradicional expulsou a função habitacional, o que no Rio acarretou a expansão em direção de São Cristóvão e Botafogo.

Deve-se acrescentar que as novas centralidades concorrem com espaços em que se observa um forte processo de exclusão sócio-espacial, com áreas caracterizadas por shopping centers e condomínios fechados, que se revelam fracamente vinculados às áreas urbanas contíguas. A Barra da Tijuca apresenta grande parte destas manifestações espaciais, revelando acentuado adensamento. A impossibilidade de grande parte da população de obter habitação em condições formais impele a ocupação de áreas irregulares e dispersão do tecido urbano, o que acarreta centralidades devido à localização de atividades comerciais também em periferias. Enquanto a cidade central oferece serviços avançados, as periferias concentram serviços comuns, embora a Região Metropolitana do Rio de Janeiro se revele bastante carente de infra-estruturas de água, esgotos e coleta de lixo.

A natural degradação das áreas intra-urbanas tradicionalmente destinadas à habitação, o acúmulo de problemas como a deterioração da qualidade ambiental das grandes metrópoles, a violência e inseguridade social, associado à exclusividade de uso do território urbano, vêm acarretando a formação de centralidades, segregadas em vista da formação urbana original. Todos esses deslocamentos espaciais e formação de novos centros acarretam em sub-utilização e esvaziamento dos centros tradicionais, que permanecem à mercê da ociosidade e aguardam por ações capazes de revitalizá-los e resgatá-los à vida cidadã.

O Projeto do Corredor Cultural é uma das ações concretas realizadas na cidade, que teve por objetivo implantar uma nova dinâmica funcional para essa área.

Ações e Projetos de criação de novas centralidades no Rio de Janeiro

A preservação de bens culturais no Rio de Janeiro ate 1970 limitava-se a aplicação do instrumento do tombamento pelo IPHAN, abrangendo edifícios monumentais e jardins públicos. O casario existente era considerado simples entorno. Como resultado de movimentos sociais, na década de setenta a revalorização da área central adquiriu estatuto de prioridade, alvo de preocupação com a descaracterização daquele espaço por parte de vários segmentos sociais e do poder público. A premência de preservar o centro recebeu apoio de empresários e do governo, reconhecido o potencial do centro para abrigar usos de lazer, turismo e comércio (MESENTIER, 2008).

Constatadas as dificuldades e a necessidade de dar resposta à exigência de reestruturação urbana, no Rio de Janeiro a partir de meados da década de 1970 e inspirado pela Recomendação de Nairobi da UNESCO de 1976, teve início o estudo de implantação do Corredor Cultural. As discussões sobre um projeto tiveram inicio em 1979, com a participação da comunidade como política adotada.

Essa Declaração se pautou pela recomendação de proteger os conjuntos históricos tradicionais, de forma a não mantê-los estáticos ou em situação museificada, mas resgatando seu papel na vida contemporânea (LIMA, 2008).

CHOAY (2001) argumenta a favor da revitalização de áreas degradadas ou em processo de estagnação, nas cidades contemporâneas, de sorte a fazer desses tecidos urbanos malhas dinâmicas.

O projeto contava não apenas reabilitar o patrimônio, mas edificar em áreas ociosas, articulando linguagens arquitetônicas distintas.

O Programa do Corredor Cultural surgiu diante das premências impostas pela crise dos anos de 1980, período em que a estabilização do crescimento do Rio gerou estagnação do setor imobiliário.

A conjunção de vontade política, sinergia de atores, incentivo da mídia e isenção de IPTU aos investidores (imposto bastante elevado na área central) constituiu um conjunto de fatores que propulsionaram o Projeto (LIMA, 2008).

O Projeto Corredor Cultural de 1984 subdividiu-se em quatro períodos, a saber, implantação, consolidação, estruturação (incorporação dos espaços públicos e das melhorias incrementais) e integração (FREITAS, 2004).

Conforme MESENTIER (2008), nos anos oitenta a política de implantação do Corredor seguiu uma diretriz de proteção legal, definindo uma área significativa como de interesse de preservação, com incentivos para a recuperação física de imóveis como isenções. Em seguida, foram criadas as APACs (Áreas de proteção ao Ambiente Cultural), estendendo a preservação aos bairros circunvizinhos. As APACs representam um marco, ao relevar o valor cultural do ambiente urbano, diferentemente do tombamento, que incide sobre as noções de identidade e memória, fazendo a diferença entre bem cultural e bem patrimonial.

Em meados da década de 1990, tem início outra fase, de investimentos voltados à recuperação do patrimônio edificado, reurbanização do espaço público e rearticulação viária em áreas de reconhecido valor histórico e cultural. Nesta fase, assinalada por projetos e programas de aporte de recursos e realização de intervenções no espaço publico, reestrutura-se o uso do solo e se promove valorização imobiliária, sobretudo em áreas em que se localizam conjuntos e edifícios de valor histórico.

Dois milhões de transeuntes de diferentes camadas sociais circulam atualmente na área, em que edifícios históricos abrigam usos comerciais e institucionais diversos. O poder público municipal realizou os principais investimentos em obras de requalificação urbana, reorganizou ruas, largos e praças e investiu na iluminação dos edifícios significativos (Projeto SA`S – ruas Estácio de Sa, Salvador e Mem de Sa). A recuperação da Zona Portuária passou a condição de prioridade no início dos anos 80. A partir do final dos anos 90 se previu a implantação de equipamentos culturais de grande porte, como a Cidade do Samba; a reurbanização de logradouros; implantação de ciclovia; a recuperação física dos imóveis; ocupação de terrenos vazios e reutilização de edificações ociosas, bem como recuperação do sistema viário para otimizar a articulação interna da área e com o conjunto da cidade.

A atual dinâmica de patrimônio histórico-cultural edificado na área central do Rio de Janeiro, consideradas as restrições da política de APACs e a insuficiência de tombamentos realizados pelo Iphan de conjuntos urbanos, pode então acarretar a desarticulação do patrimônio compreendido como repertório simbólico. Isto porque a ação de reciclagem nessas áreas confere exacerbado valor ao ambiente urbano no imaginário sócio-cultural. Essa supervalorização da imagem (MESENTIER, 2008), minimiza sua condição de suporte da memória coletiva, desvirtuando o papel desempenhado de referência cultural e fundamento de construção das identidades.

Exacerba-se a dimensão cenográfica do ambiente histórico e cultural, o que desvia atenção da densidade urbano-cultural a superficialidade de fachada.

A acentuação do caráter imagético se evidencia com a destinação dos térreos dos edifícios reabilitados para uso terciário, a espera de outros usos para os demais espaços.

Foram sendo investidos esforços na revalorização dos espaços públicos, ao resgatar a identificação da paisagem pelos habitantes. Atesta-o a transformação da Praça da Cruz Vermelha em legitimo ponto de encontro, ao superar a antiga condição de espaço seccionado pelas Avenidas Mem de Sa e Henrique Valadares, embora o multiuso ainda não seja efetivamente uma prática na área do Corredor Cultural (LIMA, 2008).

O tratamento conferido ao patrimônio reabilitado deve superar o mero fetiche do culto do antigo, enfrentando a necessidade de prover a cidade de usos heterogêneos, compatíveis com as atuais condições e demandas urbanas. Entretanto, deve-se evitar a carnavalização e a reconversão que deixa apenas “cascas ocas” nos imóveis.

Como forma de minimizar os efeitos desses deslocamentos, o Programa Novas Centralidades surge como uma resposta possível. Tendo por fundamento a utilização de vazios urbanos em áreas estruturadas da cidade, introduzi nesse tecido novos centros de bairros (cf. LACERDA, 2007). Essas centralidades vêm sendo compreendidas como áreas cuja qualidade ambiental e construída, bem como a presença de equipamentos e de infra-estruturas de transporte (linhas de metrô) as transforma em lugares plenamente habitáveis. Contando com programas habitacionais para distintos estratos sociais, o programa “Novas Centralidades” aposta no sucesso dessa heterogeneidade de usos e destinação social dos empreendimentos. A Prefeitura do Rio de Janeiro se responsabilizaria por doar terrenos a empresas, que ao construir na área poderiam vender o espaço produzido a preços bem mais atraentes, atraindo dessa forma investimentos. Esse tipo de ação constituiria o ponto central de requalificação das áreas envolvidas no processo.

Pode-se citar o Projeto SAGAS, atuando na zona portuária, que através da ação de organizações não-governamentais e associações de amigos de bairros criou o “Grupo de trabalho Comunitário e Institucional de Proteção e Valorização do Patrimônio Cultural dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo”. Este projeto vem se ocupando em promover a transformação urbana por meio de legislação de uso do solo (PINHEIRO, 2008).

Outra ação de interesse é o Projeto Favela Bairro, criado em 1993. Trata de reinserir áreas e populações marginalizadas através da incorporação das favelas ao tecido vivo e produtivo da cidade, transformando-as em bairros ou novos centros (Favela Bairro, 2008).

Em caso de áreas de favelas, um programa de ação mínimo envolve obras gerais de saneamento e acesso. Um estudo matricial de demandas comunitárias serve de apoio às intervenções, embora cada uma das favelas mereça uma leitura específica das condições reais. As ações devem integrar as áreas de favelas ao tecido da cidade, conformando novos bairros. Trata-se de incluir os valores urbanísticos da cidade formal, como ruas e equipamentos, mobiliários e serviços públicos. O Programa visa atender um milhão dos cinco milhões de habitantes que vivem hoje na cidade em favelas. O projeto integra o objetivo de produzir a cidade, substituindo ações isoladas de construção pela criação de estruturas urbanas.

Tal leitura merece a atenção de planejadores, ao detectar a situação infra-estrutural existente (levantar redes de água, esgotos etc..), o que possibilita um plano, a espacialização de diretrizes e a adoção de linhas gerais de ação.

Conclusão

Do exposto, conclui-se que o Rio de Janeiro, impulsionado pelo crescimento modernizador das três primeiras décadas do século XX, e por sua condição geográfica, estende-se linearmente à medida da necessidade de acomodação dos vários segmentos sociais.

O surgimento de centralidades é assim um fenômeno histórico, que veio se aprofundando com as transformações produtivas que fizeram a cidade transitar de um modelo industrial e expansivo, a outro, sob a globalização e afirmação do setor terciário.

As mudanças fruto dessa diversificação produtiva acarretaram em declínio das atividades desempenhadas nos centros tradicionais e históricos. No Rio, as funções administrativas deslocadas com a transferência da Capital Federal a Brasília e o declínio de vitalidade do centro fizeram por reforçar os deslocamentos da elite, para novos bairros. Ao mesmo tempo em que as elites se moveram no território da cidade, a fixação proletária e afluxo populacional de baixa renda aos principais centros urbanos brasileiros, entre estes o Rio de Janeiro, fez surgir assentamentos irregulares ou favelas, que ocuparam não somente áreas afastadas em periferias, mas outros terrenos contíguos ao centro.

O resultado dessa dinâmica é a proliferação de núcleos, assentamentos e bairros, num tecido desconectado, pois gerado a despeito de projetos de relação entre os fragmentos urbanos.

Uma política de produção de novas centralidades é o que se realiza hoje, dotada de diversos programas complementares, como o Corredor Cultural, Favela Bairro, Novas Centralidades e outros mencionados.

A despeito da colocação em marcha dessa política pela Administração Municipal, enfatizou-se a crítica possível de que a condução dessa forma de realização do território urbano, a partir de projetos e programas de novas centralidades, deve procurar bem defini-las, considerando a necessidade de promover usos múltiplos. Deve-se evitar assim a produção de áreas aparentemente utilizadas, buscando a revitalização de sorte a não esquecer as pessoas no espaço urbano, sua alma e razão.

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